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11 de abril

11 de abril

11 de abril, telefone

Hoje eu ligaria para ele no fim do dia. Umas 21 horas, talvez. Para criar a expectativa, sabe? Essa era a rotina do dia 11 de abril dos últimos anos. Ele atenderia o telefone e a gente emendaria um papo sobre nada e sobre tudo. Depois de uns bons minutos de conversa mole, ele falaria “Venha cá, você ligou para isso mesmo, é, sacana?” Eu diria que sim, e a gente riria um monte.

Daí, assim, cheios de prolegômenos e ritos que nos aproximavam imensamente, cairíamos na onda do Feliz Aniversário, das felicitações e desejos de boas ondas, que sempre envolviam uma pirraça, um sarcasmo.

Nunca fomos muito bons nessa coisa de dizer “eu te amo”. Confesso ser duro nessa frente com relacionamentos previamente existentes. Reconstruí tudo do meu jeito, uma maneira de assumir o controle, entende? Falo para os meus filhos que eu os amo todos os dias. Muitas vezes. Quando estou com eles, então? É uma melação danada.

A Bela vem no meu ouvido, “papai, preciso te contar um segredo”. Fala baixinho, sussurrando, dedinho na boca pedindo silêncio. Chega bem pertinho e diz “eu amo você”. O Ale, maior, manda áudio, pega o telefone da mãe, da avó, e tome amor distribuído nas ondas da internet. Porra, eu me derreto.

Se para as novas gerações e amizades eu não tenho qualquer problema em dizer que amo, tenho que melhorar no outro sentido. Tenho dificuldades de dizê-lo até para minha mãe. Talvez pela falta de costume ― decerto, amor não falta, tampouco se conta baixo.

Pouquíssimas vezes falamos que nos amávamos ― ele também tinha essa dificuldade, seja de cima pra baixo ou de baixo pra cima. Tenho que chafurdar muito na memória para achar uma vez sequer.

Não precisava fazê-lo. Tinha o jeito dele. Era questão de eu entender que essa era sua maneira de dizer e achar o máximo, afinal, apreço que tenho pelo que se pisa do lado de lá ― ou seria de cá, dada a minha perspectiva? ― do senso comum. Sua praxe era fugir do padrão.

A convivência cria sinônimos que dicionário nenhum descreverá.

Numa das últimas vezes que conversamos, preparando sua despedida, ele me falou que eu era das pessoas mais interessantes que ele tinha conhecido na vida. E que o fato de eu ser seu filho o enchia de orgulho.

Quer me ver acabado, é me ver agora lembrando disso.

Hoje eu não vou poder pegar o telefone mais tarde, dentro do nosso acordo anual implícito, e jogar nosso jogo.

Ele era das pessoas mais interessantes que eu jamais conhecerei.


Hoje, 11 de abril de 2017, meu pai, Paulo Galo Toscano de Britto faria 54 anos.


A Papo de Galo_ revista #8, de agosto de 2020, teve o dia dos pais como pauta. Sobre meu pai, e sobre eu como pai. Uma edição pessoalíssima. Clica na imagem abaixo pra ler.

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