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A Brasília e o espelho

A Brasília e o espelho

Recomeçar é algo constante. Pelo menos para mim. Foram inúmeras casa onde moramos em Salvador. Destas tantas, lembro-me bem de apenas três: o apartamento no Costa Azul e as casas da cada uma das avós, porque a convivência me fazia revisitar e mantê-las vivas. De resto, não sei quais foram, mas sei que foram muitas, este tanto sei.

No final de 1996 seguimos para Campo Grande, onde ficamos por 2 anos. A mesma lógica nos fez sair de lá: quebra, recomeça.

Chegamos a São Paulo no final de 1998, dezembro, Natal na esquina. Ficamos um tempo na casa dos meus tios em Alphaville por duas semanas, até que meus pais conseguiram alugar uma casa em Santana de Parnaíba.

Corria-se o ano de 1999. Supermercado era troço complicado de achar. Não tinha em Parnaíba. Não tinha em Barueri. Mercadinho havia, mas compra do mês precisava de estabelecimento superior. Quisesse algo maior, Carrefour de Osasco era o seu destino.

E foi o nosso destino.

Necessidade de compras do mês e mais um monte de coisa que faltava dentro de casa. Recém-chegados a São Paulo, faltava, basicamente, tudo.

Meu pai tinha uma Brasília. 1977. Que não chegava a ser amarela, mas também não era bege, era aquela cor intermediária que nem sei se tem nome, mas você entendeu a mistura.

Estávamos em casa eu, meu pai, mainha e meu irmão. Fernanda, minha irmã, ausente. Seguimos para Osasco.

A título de conhecimento, e esta informação será importante no fim da história, a distância entre onde morávamos e o Carrefour é de 26km. Google Maps acabou de me confirmar. Perto de 40 minutos de viagem. Indo de Brasília, chegava facilmente na marca de hora.

Imagine que a proporção de São Paulo para tudo o que conhecíamos era descomunal. Tudo maior. Chegamos no ápice da civilização ocidental no Carrefour de Osasco! Um carrinho para cada um, listas em punho, vamos às compras.

36 horas depois, 3 milhões de pessoas no lugar, passamos pelos caixas. 4 carrinhos cheios.

Uma Brasília.

Andamos o estacionamento inteiro até chegar ao nosso carro, imagino que outros tantos como nós cumpriam a mesma sina para justificar estacionamento tão cheio. Necessidade de novo na cidade se satisfaz no Carrefour de Osasco.

Abrimos o porta-malas da Brasília, que fica na frente. Dois sacos de arroz de 5kg já enchia o danado.

4 carrinhos menos 2 sacos de arroz.

Tinha o bagageiro em cima do motor, atrás do banco de trás. Ali foram mais algumas compras. Tínhamos um carrinho a menos. Faltavam 3.

Não teve jeito. Primeiro sentou meu irmão atrás do banco do motorista. Despejamos boa parte das compras nos pés e no colo dele. Depois eu sentei. E mais uma montanha de compras em cima de mim. Depois minha mãe sentou, mesmo procedimento. Rá! Faltava uma vassoura, colocada na lateral atravessando do banco do motorista para trás.

Era meio que proibido se mexer ali dentro.

Mas coube tudo! Que alegria. Que desconforto. Vambora?

Liga o carro, motor pega…

– Xi… lá fui eu muxoxando.
– Que foi agora?
– É que faltou o espelho…

Era um espelho de parede. Destes com mais de um metro de comprimento. Tinha que levar, estava pago. Se ruim é roubar e não ter como carregar, imagine comprando?

Dá-se um jeito.

De lado atrás não cabia, maior que a largura do banco. Na porta, como a vassoura, também não sabia, era mais largo e quebraria com qualquer pressão. Atravessado no meio também não daria, porque além de estarmos lotados de coisas no colo e no banco, atrapalharia na troca de marcha.

E agora?

Nesta hora, pobre se safa na criatividade.

Eu tinha dois pacotes de papel higiênico no colo.

– Eu tenho uma ideia.
– Qual?
– E se a gente colocasse eu e mainha um pacote desses de papel higiênico na cabeça? O espelho iria de comprido, junto do teto, em cima do papel…

Gargalhada geral. O ridículo da situação poderia piorar.

Mas ninguém pensou em ideia melhor.

Foram 26km de posição de estátua. Não se mexe que cai! E como não se mexer rindo o tanto que a gente ria? Andávamos tão lentamente na Castello Branco que os carros passavam reclamando. Era mais engraçado ainda, porque quando iam reclamar, viam a situação lá dentro, e o que era xingamento se tornava ou riso ou incredulidade.

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