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Colchão na varanda

Colchão na varanda

Entrávamos em Pirajuia, saindo de Mutá e seguindo para Salinas da Margarida, para ver a Igreja de Nossa Senhora de Madre de Deus. Arquitetura colonial praticamente intocada, em uns 4 séculos devem ter dado, no máximo, um tapa na pintura. Proprietário de patrimônio histórico coloca gastos na conta do poder público, sabe como é.

Na pequena rua de paralelepípedos que nos levaria à igreja, casinhas enfeitando o caminho, margeando sem calçadas a via que deve ter mais burros e cavalos que veículos circulando. Quase em cada casa, alguém a ver o tempo passar. Na janela, na cadeira na varanda, sentado no meio-fio.

Ver a vida passar deve ser o principal entretenimento da vila.

No que numa casa, dado momento, há uns 5 metros barranco acima na margem esquerda, um senhor. Na varanda com ele, uma senhora sentada numa cadeira. Uma mulher mais jovem na janela, logo atrás. Ele, no entanto, decidiu que esticar seu colchão era o ideal.

Ali, deitado de lado sobre o braço direito, ele observava. A liberdade de responder aos desejos do corpo. Se dormiu um braço, vira do outro. Se doeu as costas, senta. Se bater aquele soninho, abraça o travesseiro, que o meio caminho já está andado.

Num lugar onde o ver a vida é atividade principal, percebam a beleza do ato. Ele era muito mais personagem que narrador. Não via, era visto. Um personagem maravilhoso.

Queria parar o carro, subir para conhecê-lo. Não fui, pelo sol que em breve se punha e pela estrada que da noite não gosta.

Tinha certeza de que seria recebido por um aperto de mão sem muito esforço. Levantar dali só pra ir ao banheiro, e olhe lá. Devia evitar até beber água pra não apressar as coisas. Aquele “poooooorra, véi…” ao ver ser necessário pôr-se de pé.

No que penso que o ápice de uma receptividade calorosa e verdadeira é convidar alguém a deitar-se em sua casa.

– Oi, sejam bem-vindos! Podem deitar onde quiserem, fiquem à vontade.

Foutons, mantas, cobertores, tatames, almofadas, travesseiros, colchões. Ali, distribuídos, a quem quiser abusar de sua preguiça. O anfitrião realizado quando alguém cochila em seu sofá.

– Que sucesso esse almoço, hein, amor? Olha, todo mundo dormindo!, fala ele sussurrando para a esposa, para não acordar as visitas.

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