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Conversa de elevador

Conversa de elevador

Paulo e Henrique moravam no mesmo prédio, e descobriram ter rotinas semelhantes. Se encontravam todos os dias no elevador indo para o trabalho. Paulo, morador do vigésimo andar, chamava o ascensor, que na descida parava no 18, quando entrava o Henrique e dividiam o transporte até a garagem. Na volta, mesma coisa. Estacionavam seus carros por volta das sete e meia, se encontravam na espera e subiam juntos.

Já no terceiro dia o silêncio tradicional de elevador, ou o recheio de conversas moles, feitas para durar uns poucos andares, foi trocado por uma extensa gargalhada.

De mansinho, o papo foi alongando. Já ultrapassava a barreira de uma viagem única. Viram-se retomando a conversa do ponto onde pararam. Uma vez, quando o Brasileirão chegava na sua fase final e seus times disputavam o título, foram 38 viagens, 19 dias úteis seguidos para que o início encontrasse seu fim.

Não trocaram telefone, nem e-mails, nada disso. Sabiam dos horários um do outro, e neles confiavam.

Certo dia, volta a Carina no carro com o Henrique. Encontram-se todos no saguão do elevador na garagem, voltando de um dia de trabalho.

– Paulo!
– Henrique! Como vai?
– Muito bem. Quero te apresentar a minha esposa, Carina. Carina, este é o Paulo.
– Olá, prazer! Disse simpática. Finalmente pude conhecê-lo.
– Muito prazer. E trocaram um aperto de mão.

Chega o elevador, eles entram. Carina continua.

– Nossa, seria interessante marcarmos um jantar lá em casa um dia desses, hein?

Os amigos se olharam, concordaram que sim com a cabeça.

– Seria muito legal, mesmo. Assim você também conhece a minha mulher, a Kátia.
– Ótimo! Sábado, às 20h, lá em casa, apartamento 1803.
– Marcado.

A porta do elevador se abriu, se despediram com um aceno de cabeça.

Na manhã seguinte tornaram a se encontrar no elevador. Carina tinha pedido para que Henrique combinasse com o Paulo o que eles deveriam levar. Se dependesse do Henrique, nem seria necessário falar nada com os vizinhos, afinal, eles tinham sido convidados.

– Paulo!
– Henrique! O que levamos no sábado? Paulo tomou a iniciativa, abrandando a tarefa.
– Ora, não se preocupe com isso.
– Não é preocupação. Seguinte, levamos um vinho, umas cervejinhas, uns aperitivos. Que tal?
– Mais do que bom.

No sábado, pouco antes das 20h, a campainha do apartamento tocou. Era Paulo e Kátia, que chegavam cheios de energia e os quitutes prometidos, menos a cerveja.

O vinho foi imediatamente aberto.

O clima, no entanto, era estranho. A conversa não fluía. Todos se sentiam desconfortáveis.

– A amanhã, hein? Será que chove? Alguém tentou puxar conversa, para ter resposta apenas com sobrancelhas levantadas.

Incomodado, Henrique rompeu o silêncio antes do jantar ser servido.

– Tô com vontade de tomar uma cerveja bem gelada… E vocês?

Paulo seguiu.

– Eu também. Este calor todo! Aqui embaixo tem um bar que fica aberto o tempo inteiro. Vamos lá comprar umas e trazer pra cá?
– Bora!

Sem sequer esperar resposta das respectivas, se dirigiram ao lobby e chamaram o elevador.

Passou o tempo, mais de meia hora, e nada dos dois chegarem.

As mulheres, vendo os celulares deixados em cima da mesa, foram preocupadas para o lobby. Viram que o elevador tinha acabado de sair do décimo oitavo, e enquanto descia, ouviram gargalhadas sumindo no poço. Dali mais um tempo, as gargalhadas foram aumentando de volume até chegar novamente ao andar onde estavam.

Dentro, Carina e Kátia encontraram os dois amigos numa conversa extremamente animada, tomando umas cervejas. Surpresas, no abrir da porta foram recepcionadas por um caloroso beijo e abraço. Pelo menos quatro latinhas já estavam vazias no chão.

– Segura a porta!

Correram para dentro a buscar a garrafa de vinho pela metade e suas taças.

Voltaram e andaram no elevador por quase 3 horas, numa palestra animada que parecia não ter fim.

Vez ou outra entrava algum intruso.

– Boa noite.
– Boa.
– Calor, não?

E todos caíam na gargalhada.

Até hoje dizem que foi o jantar mais legal que tiveram na vida.  E marcaram um novo no sábado seguinte, desta vez no lobby do vigésimo, para alongar a viagem.

***

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