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Crônica ao agrado dos novos tempos

Crônica ao agrado dos novos tempos

(ou “alternativa para escrever à prova de mimimi”)

O rapaz estava atrasado.

(Não que eu tenha qualquer problema com relação a outros fenótipos ou genótipos além do “rapaz” aqui colocado, ou busque favorecer determinado grupo. Respeito e admiro a todos. Tampouco estou aqui querendo fazer apologia para que alguém chegue atrasado a um compromisso. Longe disso.)

O encontro com sua namorada estava marcado para há 15 minutos, mas nem de casa ele tinha saído.

(Quando digo que o rapaz foi encontrar a namorada, de maneira alguma estou querendo reforçar ainda mais as relações hetero-normativas. Admiro e respeito qualquer estrutura de relacionamento que agrade aos envolvidos, que, inclusive, podem ser mais de 2. Tampouco quero renegar os solteiros, sejam eles por opção ou por rejeição alheia. Amo a todos os grupos com o mesmo fervor e carinho. E o fato de que ele estava saindo de casa não é, de nenhuma maneira, um preconceito contra aqueles que não têm onde morar ou vivem em situações precárias.)

O restaurante era um dos mais badalados da cidade. Temia ele que a reserva que demorou meses para conseguir fosse ser perdida.

(Afirmo que não tenho qualquer coisa contra restaurantes que sejam menos ou mais badalados. Tampouco tenho qualquer problema com padarias, botecos, aplicativos de chefs que vão em sua casa cozinhar para você, lugares onde você paga para cozinhar pros outros, ou qualquer outro arranjo que valha. Ao mesmo tempo, o fato de o restaurante em questão exigir reserva não quer dizer que todos os restaurantes tenham que aceitar reserva, nem quer dizer que os restaurantes que não aceitam reservas sejam necessariamente ruins. Acredito na liberdade de administração de seu negócio como quiserem seus proprietários, em qualquer segmento. Claro, para não desagradar ao governo, desde que sejam cumpridas as normas de operação relativas ao seu segmento. Concomitantemente, o tempo que demorou para que a data da reserva fosse finalmente confirmada quer falar apenas da expectativa criada pelo rapaz para o evento. Não que seja necessário criar expectativa para tanto; cada um segue para seus compromissos com o sentimento que convier. Aliás, se nem quiser ter compromisso marcado, está bem também, tudo vale neste mundo.)

Saiu do táxi, chegando à porta do estabelecimento já com 30 minutos de atraso.

(É importante frisar que não possuo qualquer ressentimento contra Uber, 99, e qualquer outro aplicativo de transporte, incluindo as caronas solidárias ou pagas. Sequer terei a audácia de deixar de fora o incentivo ao transporte público, que tanto uso e admiro. Percebam que não questionei, também, a qualidade do transporte público, apesar de ser notório que alguns itens precisam ser revistos. Deixei de fora porque não agrega à história. Não que o tópico não seja relevante para muita gente, é ele questão primordial da gestão pública, e apoio os segmentos da sociedade que lutam bravamente pela melhoria contínua dos serviços para a população. Saliento também que desejo que ninguém se sinta excluído por não ter condições de usar um meio de transporte mais caro e torço para que seus anseios de transporte de maior qualidade, próprios ou públicos, sejam brevemente realizados.)

Para seu alívio, sua reserva estava mantida e sua namorada estava ainda mais atrasada que ele.

(O atraso da namorada, por favor, não significa sob nenhuma hipótese que todas as mulheres atrasem. Há tantas e tantas que são britanicamente pontuais, é de se admitir. Não objetivo, portanto, generalizar quaisquer aspectos de comportamento ao feminino. Ao mesmo tempo, o fato de o restaurante ter mantido a reserva não quer dizer que ele esteja em decadência ou que não seja assim tão bom. Ele continua tendo boas revisões nos guias. Eu entendo, também, que os guias não são única fonte de avaliação, um vizinho meu, por exemplo, é assíduo frequentador e blogueiro de alimentação, eu o considero para decidir os restaurantes aonde irei. Nem quero discriminar os estabelecimentos que não aparecem em guias especializados e torço para que eles cresçam e ganhem dinheiro suficiente para que possam fazê-lo, se assim julgarem importante. E não sou cego também para o fato de que alguns guias especializados não possuem nada de especializados, são na verdade, fonte de compra de boas avaliações. Não que eu recrimine quem faça isso, pode ser uma oportunidade válida de negócio, embora eu acredite que fosse importante que isso fosse avisado para os leitores de tais guias.)

Já sentado em sua mesa, ao vê-la entrar, ele parou admirado. Inicialmente, ficou ainda mais branco, para depois grande furor sanguíneo percorresse seu corpo. Ele, então, a recebeu sorrindo.

(O fato de o rapaz ser branco não significa discriminação contra outras raças. Acredito que todos devemos ser tratados igualmente, independentemente de cor ou origem. Nem o fato de ele ter sorrido deve ser interpretado como uma afronta contra aqueles tantos que vivem relacionamentos não felizes. Aqui envio uma mensagem de agrado e conforto para que os que se sentem angustiados.)

Ela o vê, sorri de volta. Linda, estonteante, alta. “Oi, Edu.”

(O fato de alguém ser alto não quer obrigatoriamente dizer que essa pessoa seja bela. Acredito na beleza em todas as suas formas, seja você alto, baixo, gordo, magro, ou outra classificação que você julgue apropriada. Se você quiser romper com estas classificações que carimbam etiquetas que segregam, está bom para mim também. O nome Eduardo, não devo esquecer, não atribui preconceito carregado contra nomes não ocidentais, nomes compostos, nomes feios, ou outro nome qualquer.)

Ele nem consegue responder ao aceno. Está visivelmente nervoso.

(Caso você seja daqueles seguros de si e que não titubeiam, parabéns! Mas não quero que você retire a lição de que esta crônica não fala com você. Sua participação e atenção são muito importantes para mim. Faz-se mister ressaltar que não me atrevo a traçar elo entre nervosismo e fraqueza de caráter. Tal ligação nunca existiu neste texto.)

No meio do jantar ele a olha profundamente. Busca uma caixinha no bolso da calça, ajoelha-se ao lado de sua amada. “Cacá, você quer se casar comigo?”

(É deveras prioritário esclarecer que não há aqui qualquer tentativa de impor credo ou religião a quem quer que seja. Todas as crenças devem ser respeitadas e as admiro pelo que elas são e representam. Nem, por favor, entenda que o pedido de casamento deva ser realizado obrigatoriamente de maneira romântica. Aliás, a própria definição do que é romantismo depende de cada um. Viva à liberdade individual de pensar o que quiser sobre o que quer que seja! Tampouco sinta-se induzido a formalizar relações conjugais. Acredito na felicidade em casal (ou em grupo, no caso do poliamor) independentemente de representação legal. Celebremos todos o amor em suas formas!)

Ela não acredita no que vê. Sorri um pouco incomodada. “Edu… Eu não sei o que dizer! Eu, na verdade, vim aqui hoje para terminar… Eu não posso me casar com você. Desculpe!” Ela se levanta e sai correndo.

(O sentimento expressado pela companheira pode ou não ser comum. Não conclua, portanto, que há necessidade de validação estatística para que isto tenha ocorrido. Por conseguinte, não acredito que haja relação entre propostas de casamento e rejeições que sejam relevantes. E se você estiver pensando em propor matrimônio para o seu ou sua companheira, não quero desencorajá-lo! Estou mais do que seguro que sua história será – ou foi – diferente. Da companheira, também, não é viável atribuir certezas como “está com outro”, ou “tem medo de compromisso”. Ela tão somente não o amava mais. E falo isso com a tranquilidade de quem sabe que uma pessoa pode amar outra.)

As pessoas em volta olhavam, envergonhadas, para Eduardo.

(Esteja ciente de que acredito na capacidade das pessoas de serem empáticas, e que você agiria diferentemente. É certo também que nem todos olharam envergonhadas, alguns se simpatizaram, outros fingiam que nada acontecia, mas a maioria envergonhada estava.)

Ele se levanta desolado, senta-se em sua cadeira, para instantaneamente vê-la voltando da porta da frente, sorrindo muito. “BRINCADEIRA! É claro que eu aceito, meu amor! Eu digo SIM!” Eles, então, explodem numa gargalhada, beijam-se e vivem felizes para sempre.

(A brincadeira dela não quer mostrar a quem está lendo que o seu relacionamento é bom ou ruim. Não há qualquer vínculo entre uma coisa e outra. Muito menos que a vida compartilhada tenha que ser regada a bom humor. Cada um sabe do que é melhor para si. E que sejamos todos felizes para sempre.)

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