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Desejo

Desejo

O sonho da vida do Fernando era poder usar um laptop no avião. Isso quando criança, com seus 6 anos, e via aqueles executivos e executivas retirando seus computadores de dentro de suas malas de mão, teclando apressados, tentando aproveitar cada segundo que havia de tempo para adiantar um trabalho qualquer, um pouco frustrados por terem que desligar seus aparelhos para decolagem.

“Parecem tão importantes, eles”, dizia, para orgulho de seus pais, que viam que esse, sim, seria trabalhador.

Anos mais tarde, ganhou seu primeiro celular. Desses smartphones mais baratinhos, porque criança quebra as coisas, né? Adorou a experiência. Carinha grudada na tela, pra cima e pra baixo com os dedos a passear pelo touchscreen e muitas mensagens mundo afora.

– Snapchat, mãe. Isso.

– Isnépi o quê?

– IS-NÉPI-XÉTI.

– Ah! Isnépi xéti.

– Isso.

– Pra que serve?

– Pra muita coisa!

– Como o quê?

– Fala sério, mãe!, e voltava para o seu teclar.

Quando ganhou o seu primeiro computador tinha certeza de que iria dominar o mundo.

O tempo passou, e lá estava o Fernando. Ponte aérea voltando do RJ para SP, inexplicavelmente usando um terno num calor de 38 graus, achando-se atrasado, pois aquela sexta-feira queria chegar a Congonhas antes das 22h.

Chegou no limite do embarque, nem mala tinha para despachar. Portão, embarque, achou seu assento.

Sentia-se cansado. Era um tal de viajar para lá, para cá… Às vezes acordava no meio da noite sem nem bem saber direito onde estava.

Lembrou-se de que precisava revisar uma apresentação, e colocou-se a abrir seu pequeno laptop e a trabalhar.

Um menino ao lado a tudo via, maravilhado. Era o terno, o computador, a importância, e mais alguma coisa que criança não consegue filtrar, imagine só.

Fernando percebeu e olhou para o menino, que retribuiu o olhar com um sorriso.

Daí talvez fosse o sentimento de culpa por talvez deixar um desejo de criança que em nada se mostrou prazeroso ser multiplicado, somado ao ego massageado de fazer-se ídolo e modelo de alguém naquele momento, com o calor que invadia o avião, com a pressão da apresentação que gritava em sua cabeça. Não se sabe ao certo.

Apenas retribuiu com um sorriso triste como quem diz aquele “E aí?” automático, imediatamente voltando o rosto para a tela de seu computador. Afrouxou a gravata. E a tudo lia, sem a nada entender.

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