Lendo agora
Dia 7: Escrever cansa

Dia 7: Escrever cansa

Salvador, 31 de janeiro de 2017

No bate-papo com Olenka, amiga jornalista colega de meu pai em seus adolescentes anos de Escola Técnica, comentei da minha meta de escrever diariamente. Ela arregalou os olhos, e alertou para a dificuldade da empreitada. Nada que eu já não soubesse, mas poucas vezes estive tão empolgado. Acredito isto estar visível nas crônicas das viagens, nos textos. É a verdade, em sua pura forma.

Mas tem dia que é mais cansativo que o normal. Como hoje.

O que aconteceu no Domingo foi muito especial. Os encontros, as histórias ouvidas. Tudo foi muito proveitoso, emocionante. E, dentro do universo de pores do sol, o de Itapuã foi elevado a posição de destaque. Ótimo, que o replanejamento seja causado sempre por boas novidades. Escrever na volta, ainda na noite do mesmo Domingo, era física e psicologicamente impossível.

Assim como seria a segunda-feira, também mais do que especial, com Mutá no horizonte e mais histórias a serem absorvidas, novas experiências, novas conversas.

Gente, eu conheci o filho de Bacurinha! Fiquei exultante! E Davizinho, então?

Na pauta para hoje, cinco textos. Um deles foi postergado, mais uma crônica de Mutá sobre o passado, desta feita envolvendo feitos da família na paradisíaca vila. Recomendável adiar, pelo muito de Mutá num único dia e pelo cansaço imenso que se abateu.

Sinto-me exausto, mas não consigo parar de pensar no que vai ser amanhã, no que a cidade vai me oferecer. A curiosidade intransponível e irrefutável é dessas características que não quero perder jamais.

Abrir-me para o novo é obrigação. Talvez até obrigação profissional, pois segundo o mais profundo da bondade de Olenka – e alguns desejos de tantos que vêm aqui acompanhar o que escrevo –, escritor já sou. Ora!, retruco. Escritor de palco próprio pouco apelo tem. Calma, cada coisa no seu tempo. Por enquanto, levo na base do quem-sabe e me baseio no prazer gerado.

Na fila em Bom Despacho, voltando do ferry boat, sou abordado por um homem que se diz poeta de Santo Amaro da Purificação. Oferece-me um livreto com nem bem 30 poemas, impresso em folhas de papel sulfite xerocadas e coladas. Seu esforço me comove – embora sua poesia nem um pouco –, e como 10 reais não iriam exatamente me causar problemas, entrego-lhe em troca do que lhe enche os olhos. Prometo voltar e vender-lhe um livro meu. Ele sorri, e pede para que eu volte mesmo. Vou voltar, poeta. Em uma certa monta, invejo sua audácia, dar a cara para bater não apenas no mundo virtual, mas também a tocar o vidro do carro alheio, cantarolando Frevo Mulher, e ali, cara a cara, a ser vendedor dele mesmo. Não consigo não pensar que ele é mais escritor que eu. Ou talvez eu esteja restrito à mídia da coisa.

Fecho o dia ouvindo Baianasystem, uma joia da nova música baiana. Estilo de música que demorou um certo tempo para fazer minha cabeça, mas que, de uma hora para a outra, não sei dizer como, nem quando, nem por que, a mim parece espetacular. Gente nova, produzindo coisa nova, com suas raízes visíveis, mas sem preocupação em manter o estabelecido. Talvez seja a audácia que me comoveu, em último caso. E, claro, a música de excelente qualidade que soltam.

Está aí um ponto comum, no poeta e no Baianasystem, que percebo ser fator atraente de minha admiração: audácia. Quando dispostos a desconstruir o padrão, então, ainda melhor. E quando se baseiam num produto de alta qualidade, daí sai da frente, porque viro entusiasta.

Escutem Baianasystem.

E se der, escutem também o Les Fanfoireux.

Não que os não audaciosos não mereçam admiração. Não há monopólio na causa. Um dos meus fatores de vigilância constante e crescimento é observar sempre o que é admirável em cada um, independentemente de valor atribuído ou de transposição para minha realidade.

Tomo um café, porque adoro, mesmo no tarde da hora e no desgaste do corpo. No que torno a pensar:

O que será de amanhã?

Espero apenas poder contemplar o novo com a mesma alegria, surpresa e ingenuidade do menino e expressar-me na base do “eta, mainha!

***

Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.