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É o Tchan

É o Tchan

Veja como são as coisas, e como gente é bicho influenciável. Edivânio cresceu pêlos ali pelo meio da década de 1990, e como adolescente que se preze, foi levado pelo remelexo dos becos da velha cidade da Bahia.

E, olhe, não venha me dizer que é absurdo o que se passa daqui pra frente, porque juro de pé junto, que cada linha aqui contém a mais pura verdade. Então, se aconchegue, arrume o seu café, sente-se ou deite-se – o que importa é o conforto – porque o bicho é da cara preta.

Corria o ano da graça de 1995 e a Bahia foi invadida pelo Gera Samba. Para Edivânio, fez-se o ano que reencaixou os planetas e as estrelas em suas intendidas órbitas. Porque pode parecer exagero para o ouvido mais incauto, mas a partir daquele momento a história da música baiana passou a ser dividida em ABJ e DBJ: antes e depois de Beto Jamaica. Poderia ser ACW e DCW, mas dábliu tem muita sílaba, melhor ficar com o ji.

Foram anos de expansão da música baiana para o Brasil e para o mundo. Sabia todas as coreografias. Até enviava uns vídeos caseiros com sugestão de novas danças para as músicas. Contava pros amigos que um certo passo foi ele que inventou!

Viajou com a banda pra tudo quanto é canto. Mas com a imaginação, porque pobre de dar dó, nem pro buzu lhe sobrava. E foi um tal de ir pro Havaí, pra selva, pro Japão, pro Egito… Acompanhou com afinco as mudanças das loiras, das morenas, mas a manutenção do núcleo, digamos, duro, com Jacaré, Beto Jamaica (que foi, mas voltou) e Cumpádi Washington, agora alçado ao posto de ídolo cult.

Para ele o mundo só era possível com o É o Tchan.

Na louca roda-gigante que é essa da música, o sertanejo pegou pesado, o pagode atropelou, e, aos poucos, pouco se via e se ouvia do grupo baiano.

Dalva, sua mãe não consegue dizer com exatidão quando foi que essa passagem se deu. Envergonhada de dar dó, e eu, na condição de pai, padeço de seu sofrimento. Então, começa a contar o caso do menino que só falava usando frases de música do Tchan.

– Olha, moço, ele sempre foi um bom menino. A gente é simples, certo? Veja bem aqui nossa casa. A gente passa um sofrimento danado, mas sempre quis que meu menino estudasse. E eu cobrava! Apertava a mente dele até sair de perto do rádio, mas chega uma hora que cansa, entendeu?

– E foi então que aconteceu?

– Foi, assim, devagar. Começou com umas frases aqui e ali. Depois de um tempo, quando me dei conta, era assim o tempo inteiro.

A senhora caiu em prantos, e mais uma vez não pude conter minha emoção vendo seu desespero de mãe desenganada.

Ela me levou para conhecer o pequeno barraco de chamava de morada. Fomos eu e minha assistente, Amanda, que anota quase tudo que vê e ouve. 4 cômodos apenas, 2 quartos, sala e cozinha misturados e banheiro. Na sala, me mostrou um pequeno altar num buraco da parede, onde se via o rastro de velas “acendo todo dia na hora da Ave Maria”, santos, Jesus e Irmã Dulce, fotos 3×4 de seu menino e de sua irmã que “está doente, coitada, lá em Itaberaba” e mais acima, outras 3×4 de Beto e de Cumpádi.

“Isso não é nada, meu filho”, seguiu para o quarto me puxando pela mão. Abriu as portas dos guarda-roupas surrado e carcomido, cujas partes de dentro exibiam pôsteres de todas as dançarinas que importavam: Carla, Débora, Carvalho, Mello. Ela tentou me mostrar uma caixa de sapato que ele guarda debaixo da cama, mas achei melhor não.

Neste dia, estava eu sentado na pequena mesa de metal na cozinha da casa deles, com a mãe passando um café quentinho, que é sinônimo de boa receptividade. Se não passarem café pra você, bem-vindo não é.

Ele chegou da rua, saudando sua mãe com alegria:

– Tchan! Cheguei, hein! Estou no paraíso!

– Passei café agorinha, meu filho. Quer?

– Ah, que beleza, que maravilha, isso é magnifico, mãe!

– Pronto.

No que ele tomou um gole apressado e foi direto pro banho. Saiu cantando do chuveiro:

– Que delícia, mainha! Estou todo molhadinho!

Mais uns minutos, ele chega na sala. Dalva logo se apressa em nos apresentar.

– Meu filho, esse é o Gabriel e essa é a Amanda.

– Prazer, começo eu falando, estendendo a mão para Edivânio.

Ele me cumprimenta soltando um grande “Tchan!” e abre um sorriso olhando Amanda de cima a baixo.

– Baba, Ali, baba…

Amanda abre os olhos arregalados, assustada com a ousadia do rapaz.

– Sua mãe estava me contando que você tem essa mania de…

– Pau que nasce torto nunca se endireita!

Fala ele, me interrompendo, já sabendo o que eu ia falar. Seus olhos não desgrudam de Amanda, que de perplexa começa a mexer levemente com o cabelo. Tento mudar de assunto.

– O você faz da vida, Edivânio?

– Ele tem uma agência de turismo especializada em levar turista para os bailes de Salvador. Diga a ele seu slogan, vá, meu filho!

– Segura o gringo, pega o gringo, põe o gringo, bota o gringo pra sambar!

O telefone toca. Ele me pede um minuto, apenas com o dedo em riste.

– Ei, Tchan! Alô e Tchan! Quem vem de fora vem chegando agora? Balance o corpo, meu bem, não demora!

Ele desliga e arrasta a cadeira para mais perto de Amanda.

– Então você mexe com turismo, então?, retomo. De onde vem mais gente?

– Vem do Oriente pra mexer com a gente.

Todo o tempo sem tirar os olhos de Amanda, que agora já sorri encabulada, mordendo os lábios inferiores, e correspondendo brevemente aos seus olhares.

É aí então que ele levanta, resoluto.

– Tira a cadeira e abre a roda, menina, é hora de quebrar. Sei que você gosta, sei que você deixa…

E segurando-a pelo braço, continua, puxando até ficar de pé e ir em direção ao seu quarto:

– Tudo que é perfeito a gente pega pelo braço… Mexe a barriguinha, sem vergonha, e entre… É só você e eu!

– É Domingo, ela não vai… Retruco!

– Vai, vai… Dizem ele e a mãe ao mesmo tempo.

E fechando a porta atrás de si, ouve-se poucos segundos depois, gritinhos de contentamento da Amanda, e ele a gritar em êxtase:

– Ela fez a cobra subir! Está chegando a hora e você vai ter que pegar! Me queima, danada! Mete em cima, mete em baixo! Ordinária! Ô, uô, uô, uô, uô, uô,ô.

Constrangido, despeço-me da já anestesiada Dalva. Na rua, no caminho de volta, vejo uma morena vindo ao longe. No que ela passa:

– Danada! Ordinária!

De resposta ganho um belo tapa na cara. Tem que ter as manhas.

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