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Empoderamento feminino

Empoderamento feminino

Na quinta-feira à noite, a primeira noite fora de casa de uma longa viagem de férias, resolvemos sair para tomar um chope aqui em Botafogo, no Rio de Janeiro. O clube de futebol e regatas homônimo, morador do bairro, estava no Equador para enfrentar o Barcelona genérico. Muita gente na rua, vestida de branco e preto, envergando com orgulho a estrela solitária no peito.

O quadrilátero que compreende Praia de Botafogo, Voluntários da Pátria, Nelson Mandela e São Clemente é dos mais boêmios da cidade. De botecos com comida de procedência duvidosa a restaurantes da moda, cabe de tudo. De Itaipava de garrafa em quantidade à cervejinha artesanal com sabor forte de pequi, direto do Goiás. Um dos bares, o Las Papas, distribui cadeiras de praia na calçada para que sua cerveja desça ainda mais redonda. Deu vontade de parar ali apenas por causa disso.

Seguimos, tudo muito cheio, muito lotado. Véspera de feriado, era de se esperar que o carioca tomasse as ruas para celebrar o calor. Algo me chamou à atenção. Desacostumado que estou por causa da rigidez processual e de julgamento de São Paulo, na guerra constante de aparências que a capital econômica do Brasil insiste em acelerar diariamente, havia muito mais mesas só com mulheres do que mesas só com homens.

As mulheres tomaram os bares para si. De novas a mais velhas, de magras a gordinhas, cabelos curtos ou compridos, tatuagens ou lisas, beijando homens ou mulheres. Debatiam alegremente sobre qualquer coisa, que certamente não envolvia trabalho. Ô gente chata essa que se define pela profissão, no que o Rio faz é certo de se afastar desta restrição paralisante e desinteressante.

Tenho uma teoria sobre a mulher do Rio de Janeiro.

(Não, senhor da mente poluída, você mesmo que já pensou besteira por causa do sotaque arrastado ao pé do ouvido, das pernas roliças e pelos dourados das nativas, dos shorts que apenas desenham a linha de baixo da bunda que insiste em ultrapassar a barra, do pescoço à mostra. Não é isso.)

Digamos que se trata de uma questão mais sociológica. De igualdade de gênero, e, mais até, da clara demonstração da superioridade feminina.

A primeira parte do meu pensamento diz respeito exatamente ao que significa ser carioca. O povo toma as ruas para chamar de sua porque está acostumado a isso. Acredito que é obrigação na construção de um apartamento na capital fluminense que haja um vazamento no banheiro, um mofo na cozinha. Deve estar lá no regulamente da Prefeitura. A ordem é sair de casa; a rua é extensão da sala. Claro, a temperatura ajuda neste processo todo, o calor da noite exige uma gelada.

A segunda parte é o cuidado de nutrir amizades. Em poucos minutos, todo mundo é parceiro, todo mundo é irmão. Todo mundo é igual. Na Bahia, por exemplo, há uma certa hierarquia no vocativo: pai, man, rei. Percebe que todo mundo se iguala no parceiro? É fácil criar vínculos amistosos por estas bandas. Então, bora tomar esse chope aí.

A terceira parte contempla o exibicionismo. O carioca vive com o corpo à mostra. A praia é o maior desinibidor que existe. A constante exposição do íntimo – seja a história, a vida ou a barriga – destrói as constantes barreiras de julgamento que acreditamos existir. Ao contrário de São Paulo carioca tem que ignorar os olhares dos outros, porque não tem jeito que dê jeito; vai ter pele debaixo do sol. Fecham-se para o alheio, criando uma atmosfera maravilhosa de “me deixe, porque da minha vida quem cuida sou eu”.

Essas mulheres são o suprassumo do empoderamento feminino: são mulheres que se curtem, saem, se divertem e não estão assim tão preocupadas com o olhar dos que passam. Com relação à igualdade de gênero e com o serem respeitadas, elas já estão adiantadas no processo porque já tomaram as rédeas do dia e da noite. Porque são educadas e criadas desde cedo a se aceitarem e crescerem se achando o que há de melhor. E cada uma, individualmente, tem que se achar, mesmo. Beijinho no ombro.

Criou-se, assim, uma nova forma de eu enxergar o empoderamento feminino. Um que depende do savoir-faire do joie de vivre. O poder da mulher carioca transcende a compreensão, os terninhos, as discussões salariais, as palestras motivacionais de quinta categoria. É mais humano, apenas humano, inato, e até por isso, delicioso de acompanhar.

É mais que um poema.

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