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Galho de Natal

Galho de Natal

Na medida em que o Natal se aproximava, a expectativa lá em casa, na verdade, não ia se formando. De fato, era como se nada, efetivamente, mudasse. De um lado, eu, ainda intocado pelo mundo da publicidade como cliente consumidor e com um pé no ateísmo, do outro uma família que não era necessariamente uma família feliz. E a árvore de Natal.

A árvore era o símbolo do que significava o Natal pra gente naqueles anos em Salvador. Pobre, seca, contraditória, brega, feia, mas com uma mensagem de esperança que se renovava apenas porque era Natal. De tão tosca, era desses tesouros de memória. Como já escrevi em outra crônica, pobreza quando passa vira graça.

Não era bem uma árvore de Natal. Pelo menos não destas que conhecemos hoje, apesar de ser, sim, uma árvore, ou um pedaço dela. Chegava fim de ano e lá se fazia a rotina secreta de minha mãe ou de meu pai -provavelmente minha mãe- de incrementar o galho de Natal. Apenas sabíamos que era a época do bom velhinho porque lá estava ele.

Num vaso de planta qualquer na sala, ou na mesa de canto, se instalava o galho que imagino ter sido criteriosamente selecionado. Não pense você que era galho vivo, com folha e tudo, porque isso aí é evolução demais. Era desses galhos secos que saíram da vida para entrar na nossa casa. Deveriam ficar um tempo analisando: esse aqui ou aquele ali? O escolhido, seguramente, deveria ter mais ramos, para engordar o enfeite.

Sua breve sobrevida trazia consigo algodão enrolado de cabo a rabo. Pra dar efeito de neve, entendeu? Neve no galho seco dentro do apartamento em Salvador. Neve em Salvador. Durma com um barulho desse.

Completava a decoração umas estrelinhas de papel, talvez uma bola encontrada na casa de outrem, uns piscas que nunca funcionavam, e voilá!, tínhamos nosso galho de Natal. Era deprimente o negócio, e era encantadoramente a representação daquilo pelo qual passávamos.

Troca de presentes era luxo que não nos cabia.

Peru? Não, isso aí só depois do Plano Real.

Panetone? Só em casa de tio rico.

Nunca ceávamos em casa. Na noite de 24, seguíamos para a casa de uma avó, depois à outra, depois de volta, cansados, invariavelmente brigados -aguarde cenas dos próximos capítulos- e carregados, para reencontrar nosso galho ali, indefeso e estúpido, como a nos dar um tapa na cara e gritar que pode ser pior. Da perspectiva dele, pelo menos. Dele, o galho.

Que pode ser que percamos a esperança.

Que nos recuperemos ao sermos recriados com novo propósito.

Que nos vejamos diante da infâmia do novo destino.

Que nos resignemos com o novo que chega porque alguém ali vê valor. E talvez você comece a ver também.

E que depois sejamos descartados sem piedade, porque o prazo de validade da festividade é curto.

Pior era o pisca-pisca, que nunca funcionava direito, e nem ao menos sentia o gosto do propósito renovado.

Daí que a vida melhorou, a China nos inundou de quinquilharias a preço de banana em qualquer segmento, virei consumidor a as mensagens de alegria, de bondade, de doação aparecem aos borbotões.

É algo reconfortante poder atribuir um novo significado às coisas. Encontrar o que nos machuca e remoldar como aprendizado e anedota. Hoje uma grande árvore me toma a sala. Mesmo com, agora, os dois pés no ateísmo. Talvez uma homenagem ao galho seco que cresceu, engordou, prosperou, e hoje se reencontrou como história.

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