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Geraldo

Geraldo

– Oi, Geraldo, tudo bem?
– Não sei se você lembra de mim, você sabe quem eu sou?

A pergunta não foi com tom questionador à minha primeira fala. Na verdade, era como seu eu nada tivesse dito. Ele genuinamente questionava se eu lembrava quem ele era. Até fazia sentido, há mais de 20 anos não o via. Não fosse eu tê-lo chamado pelo nome, claro.

– Oxe, Geraldo. Acabei de te chamar pelo nome, não?

Assim era o Geraldo. Sempre com uma cara de ninguém me ama, ninguém me quer. Tinha tão baixa autoestima que deveria existir a expressão baixa estima – para alegria de muitos que até hoje não entenderam que isto não existe. Refiro-me à expressão, não o sentimento.

Geraldo seguia como se alguém estivesse constantemente o espiando. Olhava para trás, por cima do ombro, como se a verificar se podia ir por onde ia, falar o que falaria e ver o que veria. Pobre, Geraldo.

Diziam na cidade que era trauma.

Um vizinho dizia que assim que ele se casou, a esposa o flagrou na cama com a empregada. Resolveu vingar-se resto da vida, fazia do pobre coitado gato e sapato. “É a esposa que eu gostaria de ter”, dizia o senhor, em frase tão engraçada quanto estranha.

Uns diziam que ele tinha algum problema de cabeça. Para estes, virou o Tonho da Rua.

– Foi adotado!
– Que nada. Diz que ele presenciou a morte do pai num assalto quando pequeno.
– Não foi isso que eu ouvi. Parece que a mãe dele batia muito nele quando criança.
– Isso é coisa de maluco, isso, sim.

Caminhava sempre de cabeça baixa. Ombros curvados, calça de sarja e camisa de manga curta, com chinelo de couro nos pés. Calvo e somente com cabelos brancos, era um velhinho que todos evitavam. Quem gosta de tamanha energia negativa? Vivia recluso.

Um de suas poucas rotinas externas era ir à igreja todo Domingo. Acompanhava com louvor a missa. Era devoto de São Gontrão, mas para disfarçar, demonstrava na correntinha sempre pendurada em seu pescoço que adorava à Nossa Senhora Aparecida.

Alguns estranharam quando ele não foi visto por uma semana cheia. Foram bater à casa, arrombaram a porta no silêncio que se fez de resposta.

Ao entrarem, ficaram todos abismados.

A casa era uma celebração da alegria. Cores vivas na decoração, fotos dele vestido de palhaço, sempre sorrindo em festas da família. Mensagens de gente que o adorava. Diplomas na parede. Era claramente feliz. Seria o mesmo Geraldo?

Vasculharam tudo, mas nem sinal dele.

Numa caixa no aparador da sala, tal qual tesouro, encontraram um bilhete, escrito à mão, papel envelhecido, já bastante amarelado.

“A verdadeira felicidade é, primeiro, interior.”

Saíram sem dizer muita coisa uns aos outros.

Sentiam uma ponta grande de inveja. Quem eram aquelas pessoas que compartilhavam aquilo que ele se negava a levá-los?

– O que eles têm que nós não temos? Devem ter pensado quase todos.

Entenderam tudo errado. Continuaram a maldizê-lo pelas costas e a postar por aí maravilhas suas vidas miseráveis e artificialmente alavancadas.

Talvez ele quisesse que o esquecessem, porque a cota de amizade estava preenchida. Talvez desprezasse aqueles que o rodeavam ali. Ou talvez não ligasse para absolutamente nada fora de seu ciclo. Muito talvez nos porquês, sendo que conhecê-los é irrelevante.

Em pouco tempo, foi esquecido por aqueles que nada significavam.

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