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Como Márcio França pode representar o fim do tucanato paulista

Como Márcio França pode representar o fim do tucanato paulista

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Por quê Márcio França será governador: uma imagem oposta à de Doria, extrema habilidade política e de oratória e a alta rejeição do adversário.

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A apuração eleitoral do primeiro turno em SP foi certamente emocionante. Enquanto João Doria Jr abria vantagem consistente contra os seus oponentes, Paulo Skaf (MDB) e Márcio França (PSB) brigavam voto a voto. A pesquisa de boca de urna apontava igualdade em 21%, com França numericamente à frente. Por fim, França alcançou 21,53% dos votos, enquanto Skaf, mais uma vez fora da corrida a um cargo executivo, amealhou 21,09%.

A subida de França foi vertiginosa nas últimas semanas de campanha. Político de vasta carreira, é o atual Governador de São Paulo, cargo que assumiu quando Geraldo Alckmin (PSDB) se licenciou para disputar a Presidência. A experiência o faz ter excelente postura de enfrentamento. De fala segura, colou sua imagem à preocupação com a Segurança Pública. Ativo em debates, fez desmoronar Skaf. E, efetivamente, ameaça o reinado tucano em SP, de um jeito que Skaf jamais poderia fazer.

O TUCANISTÃO

Desde 1994 o Estado de São Paulo é governado pelo PSDB. A apuração de Doria no primeiro turno consolidou o pior desempenho do partido desde 1998, quando Márcio Covas terminou em segundo na disputa no primeiro turno, mas no fim vencendo Paulo Maluf, então no PPB, e sendo reeleito. A partir de 2006, o reinado tucano se perpetuou sem a necessidade de segundo turno.

Eleição Candidato PSDB (vice) 1° Turno (% votos) 2° Turno (% votos)
1990 Mário Covas (Zulaiê Cobra) 15,19% Fora
1994 Mário Covas (Geraldo Alckmin) 46,84% 56,12%
1998 Mário Covas (Geraldo Alckmin) 22,95% 55,37%
2002 Geraldo Alckmin (Claudio Lembo) 38,28% 58,64%
2006 José Serra (Alberto Goldman) 57,93% n/a
2010 Geraldo Alckmin (Afif Domingos) 50,63% n/a
2014 Geraldo Alckmin (Márcio França) 57,31% n/a
2018 João Doria (Rodrigo Garcia) 31,77% dia 28/outubro

O interior paulista, principalmente, transformou-se no cinturão tucano. Enquanto a capital nunca viu um prefeito ser reeleito, o interior, mais conservador, sempre votou em peso no PSDB. Terreno, até então, intransponível, e onde, ainda hoje, Doria consegue aproveitar o histórico e bate França no interior no detalhamento demográfico das pesquisas.

O PERFIL OPOSTO DE MÁRCIO FRANÇA

Doria foi eleito em 2016 na cidade de São Paulo com votação expressiva. Os 53,29% que alcançou já no primeiro turno destronou Fernando Haddad. Chegou com ritmo acelerado, botando banca, prometendo muita interação com a iniciativa privada e jurando que se elegia para permanecer 4 anos como prefeito. Ele, no entanto, não cumpriu sua palavra.

A confirmação de sua saída para se candidatar ao Governo do Estado foi o ápice de uma trajetória cheia de problemas na Prefeitura. O tucano atingia o auge de sua rejeição, que se mantém até hoje.

Assim, criou-se um distanciamento do que significa a imagem pública de Doria. Alguém rico, um tanto valentão, empresário… mas que não cumpre com o promete. O estelionato eleitoral de Doria doeu fundo na capital.

Neste contexto, emergiu Márcio França. Aliado de Alckmin, bi-eleito no primeiro turno adorado no interior paulista. França tem fala mais mansa e uma extrema habilidade política. Conseguiu cooptar diversas prefeituras no interior para aderirem à sua campanha, em detrimento da de Doria. E, corretamente, se posiciona como figura que é oposta àquela de Doria e seu indefectível sorriso de desprezo. E esta persona agrada ao público, que se vê cansado do gestor que não cumpriu o que prometeu.

Colocar-se no lado oposto de Doria como personagem é um dos motivos que alavancam a campanha de Márcio França. Algo que Skaf jamais poderia fazer, por ser ‘igual’ ao tucano, um empresário rico dito gestor.

Portanto, França é o que Doria não é. E isto é uma vantagem competitiva fundamental para atual governador.

O CAMINHO PARA A VITÓRIA

O primeiro relatório demográfico do Ibope apontou o caminho que França deverá percorrer para assegurar sua vitória. Nela, ele atinge incrível 63% das intenções de voto na cidade de São Paulo, disparado, o maior colégio eleitoral do Estado. Este efeito não se repete na Região Metropolitana, onde Doria aparece na frente com 52% das intenções de voto. No interior, Doria ganha com larga vantagem. No consolidado, o tucano aparece na frente, 52% a 48%.

O caminho está claro para França. Com altíssima rejeição na capital, este impacto não se repete na Região Metropolitana. Seria esta a região onde França deveria focar – assim como outros polos concentradores de votos no interior, como Ribeirão Preto, Campinas e Sorocaba – porque é onde o argumento da péssima prefeitura do tucano teria mais apelo. Atingir 55% dos votos na região garantiria a vitória de França com tranquilidade. Está ali, portanto, a chave para seu sucesso – desde que não abandone o interior, sendo hora de fazer valer o apoio obtido pelos prefeitos, que poderão manter a base engajada.

OS DEBATES E O CONFRONTAMENTO

Neste 18 de outubro, teve o primeiro debate no segundo turno, na Band. E o clima entre os candidatos esquentou. Nas considerações de cada adversário, as estratégias se fizeram absolutamente claras – e será assim até o final:

  • Doria vai tentar pintar França como petista e esquerdista, enquanto ele é Bolsonaro até a medula. Esta estratégia tem um porém significativo: o apoio de Doria aparenta ser o de um oportunista, que, ao contrário de Bolsonaro, não é autêntico, é fabricado. E vai falar de Lula e do PT o máximo que puder.
  • França vai pintar Doria como traidor, e aqui é difícil de Doria refutar e colar sua imagem à efetividade da segurança pública de SP.

O que se viu no debate foi algo mais próximo de um bate-boca um tanto patético e enfadonho. E me faz entender que há um caminho: o de deixar Doria abusar de mencionar o PT.

Por quê?

Porque quem viu o debate não aguentava mais Doria falando de Lula e do PT. Pareceu alguém paranoico, dissociado da realidade. Ficou algo patético os insistentes desvios de respostas para macular França com a sanha petista. Como estratégia de comunicação em debates – que, sim, definem as eleições estaduais, vide Rio – França tem que se preparar para desdenhar e, de certa forma, desprezar o excesso de citações ao PT. Fazer chacota quando estiver ouvindo e ser incisivo em sua vez de falar do quanto isto parece infantil do adversário.

E a desconstrução de Doria não é complicada. Por diversas vezes, Márcio França riu da fala de Doria. Em uma delas, já no ultimo bloco, numa tentativa esdrúxula de enganar a França quando perguntava sobre terceiro setor, Doria tomou uma rasteira do adversário, que não apenas inverteu o protagonismo, como se aproximou de humilhar o adversário.

A tarefa de Doria parece elevada demais para um “não político”.

UM OPONENTE À ALTURA

Fato é que Doria, desta vez, enfrenta um político muito hábil em se desvencilhar das tolas armadilhas que ele tenta colocar. Além disso, surfa uma maré desfavorável, agora pintado de político como qualquer outro. Sua fala parece não ter mais eco. Sua rejeição cresce e tende a ser ainda maior entrando na última semana de eleição. Deve, depois de 24 anos de mandatos consecutivos dos tucanos, perder a eleição sempre tida como garantida pelo partido no estado mais rico da nação.

Cabe a Márcio França entender que caminho seguir. E ele está evidente.


Este é o quarto artigo de uma série de ensaios e análises sobre política e estas eleições que se aproximam de seu desfecho.

Parte 3 (18/out): Apoios estaduais: todos querem Bolsonaro

Parte 2 (17/out): Por quê Bolsonaro está eleito

Parte 1 (16/out): Debater política é baixar o tom de voz

 


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