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Natal tropical

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Como acontecia todo ano, os amigos receberam o convite para ceia de Natal na casa do Miguel com expectativa. As festas em sua casa eram a coqueluche da turma. Rolava boato, inclusive, que convite plus-one chegavam a custar 250 reais no mercado paralelo. Um luxo. Dentre todas as grandes festas, a maior de todas, a mais colorida e charmosa era a do Natal.

Morador de casa em nobre bairro, casado e sem filhos, herdou dos pais, além dos bens, o dom para a farra. E as fazia com pompa e circunstância, reunião do high society sem dar brecha para o maldizer. Restavam aos incautos duas opções: ou aproveitar ou invejar.

Os amigos aproveitavam. E como!

A residência sempre fora tema de reportagens de fim de ano, que seguiam embasbacadas para seus jardins nos Jardins. Se havia magia no Natal, ela se concentrava ali.

A casa se transformava na fábrica de presentes do Papai Noel, com renas e ajudantes espalhados pelos cantos e na linha de produção. Na garagem, um trenó estacionado, “Sled parking only”. Na num canto no quintal, o casal de bons velhinhos observava a tudo com um sorriso afetuoso. No meio, um grande pinheiro ricamente decorado, a maior árvore de Natal natural que qualquer um jamais tinha visto. Na Candy Island, tudo era comestível, um caminho que lembrava a João e Maria. O Grinch se esgueirava atrás de arbustos, pronto para dar o bote. Uma comprida e abarrotada mesa na sala de jantar servia quitutes natalinos de todas as sortes. Garçons circulavam oferecendo vinhos e espumantes. Nas caixas de som escondidas, tocavam músicas de Natal nas vozes de Andy Williams, Frank Sinatra, Nat King Cole. A cada meia hora, uma grande música de orquestra subia para iniciar-se o show de luzes, tal qual a Macy’s da Quinta Avenida. Ao ver-se a meia-noite em badaladas, um gordo e bonachão Papai Noel descia da casa da árvore – era de verdade! – e distribuía lembranças aos presentes.

“Que festa maravilhosa, Miguel! Mal posso esperar pelo que você vai aprontar no ano que vem!” Despediam-se tentando cavar certeza para o ano.

No grande dia, atendendo aos apelos de pontualidade britânica, os carros iam chegando em caravana munidos de uma expectativa infantil. Ao saltarem de seus veículos, era impossível não notar a decepção. As palmeiras da entrada não tinham sequer pequeno enfeite. Pelo contrário, “aquelas bananeiras ali não tinham no ano passado, tinham?” Foram recebidos por um funcionário, que vestia bermuda, camisa de manga curta e chinelos nos pés. “Queiram me acompanhar, por favor. Miguel está esperando.”

Ultrapassaram a gigantesca porta aflitos. Por dentro, a casa estava decorada como a um dia qualquer, luxuosamente sem graça. Muitos afrouxaram a gravata, alguns casais já combinavam em cochichos ir embora. Encontraram Miguel no quintal dos fundos. A cena era inimaginável.

Pilotando a churrasqueira, Miguel estava sem camisa, com um pano de prato sujo pendurado no ombro. Vestia um short com tema havaiano e também chinelo de dedo nos pés. Suas mãos estavam pretas de mexer no carvão. Deixou o cabelo crescer, estava visivelmente mais bronzeado. Ao lado de onde as carnes giravam, três isopores manchados com tampa carcomida. Ouvia-se um pagodinho no fundo.

“Sejam bem-vindos! Tem cerveja no isopor, já, já vai sair carne. Ali na mesa tem pão, vinagrete e maionese.” Os pães ainda dentro dos sacos de papel da padaria, a vinagrete e a maioneses coberta por um pano. Pratos e talheres de plástico em embalagens sequer abertas completavam o reduzido bufê.

As pessoas iam se acomodando em improvisadas mesas e cadeiras de plástico. Uma madame falou ao marido sem se preocupar com o tom de voz, “Isso é plástico? Você sabe que eu sou alérgica a plástico!” Um celular apitou, e o primeiro casal já na largada noticiou emergência. “Que pena! Quem sabe ano que vem?”, numa pergunta por educação, sem querer convite real.

“Maminha?” ele passou com uma bandeja, recebida sem grande entusiasmo.

Aos poucos, todos foram saindo, cada qual com sua desculpa. Miguel fingia compreender, respondia com atenção, “Que pena!”, e retornava como se nada tivesse acontecido.

Em uma hora restaram Miguel a esposa e mais 3 casais, que conversavam animadamente com uma lata de cerveja de qualidade duvidosa na mão. Na caixa de som começa a tocar É o Tchan, e quase todos começam a dançar coreografias desengonçadas. Miguel se aproxima com uma bandeja de linguiça.

“Miguel!” Grita um deles, enquanto passa os braços em volta do ombro do amigo. “Pensei que você nunca ia se livrar daquela gente!”

Miguel sorri encabulado, olhando para baixo.

“É mesmo, Miguel.” Continua uma menina. “Povo chato danado.”

 “Deixa que eu piloto aí, vai.” Prestou-se um a comandar a churrasqueira, deslocando o grupo inteiro para perto de onde saia o alimento. O funcionário que os recebeu na porta, sem ninguém pedir, apareceu com linda peça de picanha.

Os quatro casais, então, passaram a contar histórias de seus Natais e suas vidas, numa comunhão regada a fraternidade e risadas. Seria aquele um Natal tropical, abrasileirado em forma e conteúdo, sem referências à desconhecida neve. Era um Natal como o Natal de quase todos os lares do país, sem muita coisa, mas com gente que se quer bem.

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