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Os 3 vilões do déficit fiscal e o plano que nada resolve

Os 3 vilões do déficit fiscal e o plano que nada resolve

O governo Temer reviu o déficit fiscal de 2016 para aproximadamente 170 bilhões de reais, 75 bilhões a mais do que apregoava o governo Dilma. Para 2017, o déficit esperado é ainda gigantesco: 140 bilhões, depois de revisto, uma vez publicado inicialmente como sendo de 155 bilhões (anote este número, no futuro, tende a tornar-se o real).

Existem 2 pontos que serão tratados em detalhe futuramente, que explicam pontualmente este rombo, mas não de maneira recorrente. O primeiro diz respeito aos incentivos oferecidos a determinados segmentos que entraram como prejuízo para o governo federal, como combustível e luz elétrica. Estes incentivos, em grande monta, já foram revogados. Fossem eles justificativa, a previsão para 2017 seria diferente, por exemplo. O mesmo acontece com o aporte necessário para salvar estatais e fundos de pensão. Neste segundo caso, impera a corrupção, todos estão olhando a fundo, querendo ver atrás das grades os grandes ofensores do erário público.

Há, no entanto, 3 vilões do déficit fiscal, que operam na surdina, muitas vezes enxergamos como regras normais do jogo, mas absolutamente nada está sendo revisto para resolver. Estes, sim, prejudicam historicamente o Brasil e deveriam ser alvos prioritários de uma armada governamental. São eles:

  1. Juros da dívida

Um gráfico interessante compara a evolução dos juros básicos da dívida nacional (a SELIC) e os déficits:

SELICvDEFICIT

Você sabe quanto foi gasto direto em 2015 com Amortização e Juros da Dívida, de acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal? 962,2 BILHÕES DE REAIS. Com um PIB estacionado e SELIC anual aumentando em 2016 (houve taxas mais baixas em 2015, até atingir o patamar de 14,25% ao ano de agora), não é de se espantar um déficit ainda maior neste ano.

As consequências, aqui, são catastróficas. Uma taxa de juros básicos tão alta, utilizada para frear o ímpeto inflacionário, sufoca o crédito – tanto em quantidade quanto em taxas – fazendo com que haja mais incentivos ao investimento no mercado financeiro do que em produção.

Se uma taxa de 14,25% envolve baixo risco, por que investir em um negócio, ou em produção, ou em qualquer outro meio de geração de valor? Trata-se de uma concorrência desleal, que machuca a indústria, espreme o pequeno empresário e nos faz parar no tempo.

O grande desafio aqui é encontrar a taxa ideal de juros da Selic. Aparentemente, o nível saudável está em torno de 9% ao ano. Logicamente isso é sabido pelo governo. O equilíbrio da mudança é que deveria ditar a regra do jogo. Faz-se, no entanto, mais do que prioritário e urgente, uma ação concreta que vise reduzir a taxa básica de juros.

  1. Funcionalismo público

Certa vez estava nos Correios para enviar uma correspondência para o interior de São Paulo. Era perto das 16h, faltava ainda uma hora para a agência encerrar o expediente. Havia 8 pessoas na minha frente. Seria rápido, pensei, afinal, eram 4 funcionárias trabalhando. Para meu ledo engano.

Fui ser atendido às 17:25h. Uma das quatro funcionárias tinha no seu banco o POS do Banco Postal. Não fez absolutamente nada durante essa uma hora e meia. Perguntei se ela não poderia atender, disse ela que estava sem “etiquetas”. Então, perguntei POR QUE não pegava etiqueta no caixa ao lado, e ela disse que “cada um tem as suas, não pode misturar”. Era, claramente, mentira.

A mulher ao lado, durante esta mesma uma hora e meia, recebeu 16 pacotes de um lugar para envio por Sedex. Durante este período ela etiquetou, acreditem, 6 pacotes. SEIS! Em uma hora e meia, chegando a incrível marca de 15 minutos para cada pacote.

Foi quando eu percebi: as 4 ali presentes estavam PROPOSITALMENTE forçando horas extras.

Quantas e quantas vezes, dentro do serviço público, nos deparamos com situações em que há muito mais gente do que seria necessário e, mesmo assim, o trabalho não é feito?

A regra do funcionalismo público convida a este tipo de comportamento. Não há demissão, não há metas de produtividade, não há meritocracia. Pra quê, então, trabalhar?

Estados estão quebrando por ter uma folha de pagamento absolutamente inchada. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são alguns exemplos.

Apenas o aumento de eficiência provocado por uma revisão completa do funcionalismo publico garantiria uma economia na casa de centenas de bilhões de reais.

Mas quem quer mexer com funcionário público?

  1. Previdência

A previdência está falida. É praticamente seguro que todos que estão aqui lendo este texto não poderão se aposentar pela Previdência Social. Há 2 motivos simples para tanto: mau uso dos recursos e alteração das faixas etárias.

O segundo item provoca um racha estrutural na premissa da Previdência. Se, antes, a expectativa de vida era de 65 anos e a previdência foi construída com base neste patamar, o que acontece quando chega a 74 anos? São 9 anos a mais de pagamento de pensão acima do que está previsto. Há um erro grave já a partir daí. Por mais que em 2012 tenha havido uma mudança de regra, e todos aqueles que têm direito e estão para se aposentar, tendo contribuído em menor escala?

O outro ponto é, também, grave. De acordo com a Constituição, os recursos da Previdência devem ser destinados, tão somente, para a Previdência. Acontece que, desde a promulgação da Constituição, este item foi desrespeitado. As receitas previdenciárias são computadas como se fosse caixa único. O que deveria existir “no banco” para conter eventuais rombos previdenciários, virou qualquer outra ação do governo.

O número é alarmante: o rombo prevista da Previdência para 2016 é de 125 bilhões no INSS e 70 bilhões para servidores públicos (civis e militares). 200 bilhões de rombo. Em 1 ano. A previsão é a de que o déficit em 2050 atinja 1 trilhão de reais.

Não, meu amigo e minha amiga, você não vai se aposentar.

Mas…

Quando se ouve falar de ajustes do governo, ouvimos sempre a linha do “aumentar arrecadação”, porque, claro, impostos no Brasil estão baixos.

E mesmo assim, no lugar errado. Propõe-se aumentar o PIS/CONFINS para uma taxa fixa de 9,25%. O setor de serviços chia, e com absoluta razão. 9,25% é a alíquota paga pelas grandes empresas, as tributadas pelo Lucro Real. Subir o PIS/COFINS significa prejudicar o pequeno e médio empresário!

Não para por aí. A defasagem do ajuste do IR de acordo com os índices de inflação prejudica, principalmente, os que menos ganham. Há anos a tabela do IR mostra o tamanho da desproporção.

Querem de volta a CPMF como medida emergencial, desgraça na vida da população que enriquecia os cofres públicos um pouquinho por vez, gerando montante na casa de dezenas de bilhões de reais. Como a cara de pau não é pouca, nem o objetivo colocado foi sequer minimamente cumprido, ou vocês não lembram que a CPMF tinha como destino a Saúde? Entrou no Caixa Único, este aí de cima, e virou recurso para o que precisasse.

Enquanto isso, igrejas seguem sem impostos, grandes indústrias seguem com incentivos fiscais.

No filme “A Grande Aposta”, que trata da queda do subprime em 2008, uma das cenas no final mostra o personagem do Steve Carrell embasbacado. Ele não consegue acreditar que a crise que estava na porta era mais do que conhecida. E ficou ainda mais perplexo quando viu que aqueles que já tinham sido os mais prejudicados neste cenário todo, a população americana em geral, seria a que ia pagar a conta. Dinheiro do contribuinte.

Este é o cenário do Brasil de agora. Dedicamos um monte de tempo a discutir Lei Rouanet ou Bolsa Família. Programas de governo que podem, sim, ser melhorados. Mas absolutamente NADA representam do buraco onde o país se meteu.

Não há plano. Há cortina de fumaça para que os 3 pontos permaneçam intocados.

Nós pagaremos a conta. Por que achamos que o pontual é o suficiente quando, na verdade, é o recorrente que afunda.

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