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Os erros da campanha do PT

Os erros da campanha do PT

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Os erros da campanha de Fernando Haddad à Presidência foram muitos, crassos, incompreensíveis. Há um grande desafio para o PT no futuro.

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Durante muitos anos, notadamente desde 2000, quando Marta Suplicy assumiu a Prefeitura de São Paulo, o PT aprendeu uma lição valiosa e se distanciou de seus adversários. A qualidade das campanhas políticas que passou a tocar era substancialmente melhor do que os outros. De maneira extremamente pragmática, passou a atuar abordando os pontos que fariam seus candidatos eleitos. E, claro, contou com a complacência e incompetência de outros partidos que não souberam dialogar, apenas impor seus próprios quereres. Este rigor operacional na política me levou a entende que o PT era o único partido profissional no Brasil.

Esta, no entanto, não é mais a realidade do partido.

Nesta campanha de Fernando Haddad à Presidência da República, a tônica é o amadorismo. O PT desaprendeu a dialogar com a massa. E, mais preocupados em manter a narrativa do golpe, derrubaram completamente qualquer chance de verem um petista de volta ao Palácio do Planalto.

Aliás, a narrativa do golpe foi o fator catalisador da ressurreição do PT. A queda de Dilma Rousseff num impeachment político em sua essência, possibilitou que o PT se colocasse na condição de vítima. O partido enxergou, com exatidão, que a derrubada da ex-Presidente era o argumento fundamental para que o partido não se tornasse irrelevante. Foi ofertado ao partido a narrativa que eles viam escorrer pelo ralo das comprovações de esquemas gigantescos de corrupção.

Os erros crassos vieram depois. E levaram ao ponto de agora, em que a eleição está garantida para Bolsonaro. E, aparentemente, não serão resolvidos tão cedo.

OBJETIVO DA CAMPANHA

Antes de iniciar os entendimentos dos erros do partido neste 2018, vale lembrar quais eram os objetivos da campanha petista.

O primeiro deles, era consolidar o partido como líder único e inconteste da esquerda.

O segundo, possibilitar migrar as intenções de votos de Lula para o novo candidato.

Sobre a indicação de Fernando Haddad, esta possivelmente tenha sido o último momento em que o PT agiu corretamente. O nome do partido era Jacques Wagner. O partido, porém, percebeu que o paulista era a única alternativa numa mensagem de reformulação da sigla. Era o “novo”, o “repaginado”, uma inflexão necessária imagem de reconstrução. O que veio a partir dali foi uma sucessão de erros.

#ELENÃO E O ATAQUE AOS ELEITORES DO OUTRO

A eleição americana de 2016 serviu como aprendizados para a brasileira em 2018. Primeiro, por aprender o que fazer – no caso, para a campanha de Bolsonaro, que foi se consultar na fonte. Segundo, por terem ficado lições de como não se fazer – no caso, para o PT. O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, resolveu repetir exatamente a tática dos Democratas. Indicativo de derrota certa.

A ofensiva dos Democratas, na figura de Hillary Clinton, foi muito além de atingir o agora presidente Donald Trump. A arrogância da certeza de estar do lado certo da história fez com que se questionasse a inteligência e bom caráter dos eleitores do Republicano. O que se viu foi um fortalecimento da posição dos votantes do adversário. Quanto mais se elevava a voz, mais atratividade Trump tinha, afinal, sua postura sempre foi de anti-establishment atacado de maneira exagerada. Trump era o homem comum, de fala simplória, autêntico.

O ápice foi quando Hillary Clinton disse que metade dos apoiadores de Trump poderia ser colocada num basket of deplorables, ou, traduzindo, “cesto de deploráveis”. E continuou acusando-os de misóginos, racistas, homofóbicos, xenófobos, etc. A plateia, satisfeita com sua ó-tão-nobre superioridade, riu, aplaudiu. E o resultado foi visto nas urnas, com Trump eleito presidente (mesmo com menos votos totais). Resumindo: não funcionou.

E no Brasil, repetiu-se a tática. A ofensa virou centro do debate político. E o que se viu foi um constante fortalecimento da imagem de forasteiro de Bolsonaro. Se esta era sua persona, um outsider que ameaçava e amedrontava a velha política, atacá-lo e a seus eleitores significa, portanto, fortalecer sua imagem. Em vez de prejudicar, contribui com o oponente. No fim, a sanha de se mostrar superior por estar do lado esquerdo da força suplantou o pragmatismo. E fez o PT discursar apenas para sua própria militância.

NOVOS PONTOS DE INFLUÊNCIA

De fato, estas eleições significaram um ponto de inflexão com relação ao poder de influência de alguns meios. A TV, por exemplo, perdeu grande parte de sua relevância, dando vez às mídias sociais como fonte primária de informação. Especialmente, o WhatsApp. O PT não percebeu esta transição – e as mudanças de tática e de linguagem para um novo canal. Ficou à mercê de um jeito de fazer política que estava em sua cartilha: passeata, TV, rádio.

Inteligentemente, a campanha de Bolsonaro capitalizou em cima desta transição e liderou a forma de trabalho no campo. Definiu como atingir o público, com que abordagem, linguagem, narrativa… Deu tão certo que a eleição de Bolsonaro está garantida no segundo turno sem precisar da realização de um comício, sem uma viagem, sem uma aparição em debate, sem palanque estadual. Conversa, se é que assim pode ser chamada, ocorre unilateralmente via mídias sociais.

O ponto-chave foi o que se viu no fim de semana do #EleNão. Enquanto no sábado acontecia o evento da esquerda que mobilizou milhões Brasil afora, tendo direcionado todo o foco para as manifestações contrárias a Bolsonaro – repetindo os erros citados no primeiro item – a cúpula do PSL trabalhava em outra frente. Fechou acerto com os evangélicos, levando para dentro de suas trincheiras milhões de eleitores e milhares de pastores transformados em cabos eleitorais. O que tinha potencial para ser um grande golpe, virou um contragolpe mortal. A eleição foi sacramentada ali.

POSTE DE LULA

A memória do brasileiro estava fresca. Dilma Rousseff foi indicação direta de Lula para sucedê-lo. Eleita e reeleita, cometeu imensos estelionatos eleitorais. Sua inaptidão para navegar no Congresso e negociar com a base aliada ficou clara. Foi defenestrada. Surgiu, assim, a ideia de que a nomeação de alguém por Lula era um erro certo para o país. A indicação direta de um grande político a um desconhecido de sua linhagem não era caso novo, tampouco a tragédia era exceção. Lembremos do que foi Celso Pitta para a cidade de São Paulo, quando Paulo Maluf, em propaganda, afirmou que se Pitta não fosse um bom prefeito, “nunca mais votem em mim”.

As pesquisas de intenção de voto sempre colocaram Lula disparado na frente. Atingiu, no auge, 39%, flertando com vitória em primeiro turno. Mas Lula foi preso, depois de condenado em segunda instância. Certamente fora do pleito, o PT insistiu no nome de Lula até o limite da troca de candidato. Embora a estratégia fosse pautada na necessidade da transferência de votos, houve um erro fundamental de leitura.

Primeiro, voltou à tona as lembranças do que significou Dilma. Segundo, ignorou-se os dados que afirmavam que 64% dos votos de Lula migrariam para quem ele indicasse. Isto soma 25% garantidos, cerca de 30% dos votos válidos, que foi, sem surpresa, a votação obtida por Haddad no primeiro turno. Terceiro, e mais importante, cresceu a impressão de que Haddad seria um fantoche de Lula, que governaria direto da cadeia em Curitiba.

O PT ceifou a relevância de Haddad ao insistir neste processo. Quando a farsa de manter Lula como cabeça-de-chapa foi finalmente derrubada, era tarde demais. Em vez de pintar Haddad como autônomo, independente, mas indicado por Lula, ele  foi colorido como fraco partidário que enxerga somente o #LulaLivre e nada muito além daquilo. As constantes idas a Curitiba foram a cereja do bolo, a confirmação prática do que todos imaginavam. Haddad era, efetivamente, o poste de Lula.

GLEISI, LINDBERGH, ZÉ DIRCEU E AFINS

A rejeição absurda – e merecida – do PT tem impacto maior em alguns personagens que permanecem no núcleo de sua atuação. Zé Dirceu tem uma pecha autoritária que joga gasolina na fogueira de ódio ao PT. Ao mesmo tempo, algumas figuras se destacam por um discurso quase extremista, associado a uma imagem limpinha-mas-ordinária, e um deboche escrachado do Brasil. São expoentes deste estereótipo Gleisi Hoffman (agora eleita Deputada Federal pelo Paraná) e Lindbergh Farias (Senador não reeleito no Rio de Janeiro).

Gleisi e Lindbergh viraram caricaturas de uma esquerda delirante, incompetente, matreira. Estão mais próximos de Jean Wyllys, o folclórico Deputado Federal reeleito pelo RJ, que de Lula em termos de imagem. E inexplicavelmente se mantêm no topo da hierarquia partidária. Sua história na sigla não deveria ser justificativa para que causem mais mal que bem ao partido.

DESTROÇAMENTO DA ESQUERDA

O sentimento geral do país era o de vilanização da esquerda. Numa comparação esdrúxula com o “comunismo”, linhas mais à esquerda estavam sob o escrutínio persecutório da população. Num cenário tão desfavorável, seria fundamental a união da esquerda em torno de um único nome. O PT, entretanto, não estava disposto a dividir poder como liderança inconteste da esquerda.

A postura do partido é parcialmente compreensível. A base de votos, cerca de 30%, é significativa demais. Mas, claro, não seria suficiente para eleger um candidato solitário contra um ambiente tão tóxico à sua causa. Incapaz de negociar, trabalhou para minar as chances de outras lideranças se sobressaírem. Especialmente Ciro Gomes.

O PT articulou veementemente para esvaziar a candidatura do cearense de Pindamonhangaba. Isolou Ciro, hábil analista político. O que se viu, então, foi um Ciro ressentido, que se tornou praticamente oposição ao PT – mesmo apoiando um candidato petista, Camilo Santana, eleito em primeiro turno ao Governo do Ceará.

A esquerda foi pulverizada em linhas não convergentes. Cínico, o PT passou a pregar a união da esquerda que ele mesmo esfacelou. Ciro, de seu lado, não declarou apoio direto no segundo turno e embarcou para a Europa, ficando fora de qualquer participação na campanha de Haddad. E o destroçamento provocado pelo PT teve seu auge no discurso infame e enfático de Cid Gomes.

MANUELA D’ÁVILA E A ESQUERDA CAVIAR

A fragmentação da esquerda provocou consequências graves ao PT. Uma das principais delas foi trazer Manuela D’Ávila para ser vice de Fernando Haddad.

A escolha de um vice tem como objetivo ou suprir uma carência de uma chapa ou servir de mensagem ao público. E enquanto o embarque de Manuela tenha um porquê – renovação da esquerda em um movimento mais jovem e ativo, apoiando-se no voto feminino – sua indicação foi incrivelmente terrível para o partido. Nome pior é difícil encontrar.

Desde 2013 emergiu a figura da esquerda caviar. Um jovem branco rico, cercado de privilégios, que tende à esquerda pero no mucho. Arrogante, cheio de inconsistências, contradições, incongruências, que quando confrontado, reage com soberba e desprezo. Manuela D’Ávila é a tradução inequívoca da esquerda caviar na política.

CORES

A paleta de cores parece pouca coisa numa campanha, mas é algo fundamental para sua identificação. Mais uma vez, o PT foi contra o país.

Dentre os lemas que ganharam força nos últimos anos, um deles é o “minha bandeira nunca será vermelha“. Por fazer alusão ao comunismo e ao execrado petismo. Ainda assim, o PT escolheu o vermelho como ponto focal de sua comunicação. Falou para dentro, para sua militância. Esqueceu, mais uma vez, da transferência de votos garantida, de acordo com o que apontavam as pesquisas. Contudo, para angariar mais simpatizantes – e consequentemente vencer uma eleição – seria necessário amansar o discurso, abrir-se a público mais amplo, fazer-se mais amável. O partido, ao contrário, fechou-se em sua bolha. E fez com que a repaginada verde-e-amarela de Haddad no segundo turno se tornasse um movimento oportunístico, aproveitador, que nada tem de espontâneo.

PERSONA E CARICATURA

Em política, muito passa pela criação de um personagem que agrade mais gente possível. Estima-se quais são os aspectos da personalidade e passagens da história de um candidato que devem ser trabalhados e mostrados com mais vigor. A persona resume como o candidato é em poucas palavras. Uma vez delineada a persona, a lista de atributos é distribuída como briefing de Marketing para propagação pela base.

Haddad é professor. Esta imagem deveria ter sido explorada muito antes. Veio tarde demais para imputar um perfil conciliador, de debate à sua candidatura – tudo o que o PT não fez, como vimos até aqui. Mas um ponto me chama à atenção e me faz questionar se há um mínimo bom senso na campanha petista: o Haddad tocador de violão.

SÉRIO, PT? SÉRIO, HADDAD?

Este “atributo” (controla a tosse da risada contida) flerta com o ridículo, com o infame. Distribuir vídeo dele tocando violão com Eduardo Suplicy ao seu lado depois de cantar “Blowin’ in the wind” é particularmente caricatural. Tentaram humanizar Haddad, mas o fizeram um chato estudante alienado num diretório acadêmico de uma faculdade pública, tocando violão para um público que acabou de assistir a O Mágico de Oz enquanto ouvia ao The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd de Roger Waters (o ciclo se fecha e agora tudo faz sentido!), vestindo uma bermuda de linho completamente amassada, papete de couro, enquanto intercala baforadas no beque e discursos contra a opressão do capitalismo.

Um dos medos ao se criar uma persona é transformá-lo em caricatura. E Haddad virou uma.

ACADEMICISMO

A linguagem pode ser elemento separador ou aproximador do grande público. Palavras grandes afastam a maior parte da população. E a campanha de Haddad abusou disso. Sobraram palavras como “revogação”, “programaticamente”, “princípio democrático”, “rearranjo da geopolítica”. Uma das vantagens históricas do PT era falar a língua do povo. Lula, claro, era um trunfo. Além de um PSDB, principal adversário, que cunhou seu próprio idioma, o tucanês. Hoje, Haddad está para ser fluente em tucanês que em lulês. O ensaio desmedido do discurso submerge a espontaneidade, tão viva em Lula e também em Bolsonaro.

AUTOCRÍTICA

Tasso Jereissati, ex-presidente do PSDB, ensaiou uma autocrítica tucana. Ciro Gomes, antes e durante a campanha, criticou enfaticamente o PT por se recusar a assumir seus muitos erros. Cid Gomes fez coro recentemente em Fortaleza. A população vive sob as consequências dos desmandos petistas e pede respostas. Dilma foi reeleita cometendo o que se convencionou chamar de estelionato eleitoral. Enquanto isso, o PT faz ouvidos moucos e finge que não é com ele.

Encontrar o equilíbrio no tom da autocrítica é algo muito complicado. Exagerar significa desmobilizar sua militância. Fazê-la a menos significa afastar aqueles que pedem uma satisfação pela traição sofrida. O PT está, sem dúvida, num tom muito abaixo. Falta uma conversa ampla, franca, aberta. Um “erramos, punimos, e vamos recomeçar”. No primeiro turno, sequer houve menção a algo nesta linha. No segundo turno, ensaiou algo, mas longe do necessário.

O primeiro passo para corrigir erros é saber que eles existem. Enquanto o PT permanecer justificando suas ações para ter cometido tantos impropérios, vai se isolar em sua bolha e reduzir sua preponderância política, hoje regionalizada no Nordeste.

E AGORA, PT?

O PT precisa se reinventar. Reafirmar os votos de sua fundação, um grupo de valores que atraiu tanta gente que queria mudar o Brasil. Efetivamente punir os corruptos e afastar-se de políticos que danificam sua imagem (ou levá-los à geladeira). O que se viu até o momento foi um partido mais preocupado consigo do que com o país. Está na hora de mudar isso.

Um grande projeto de redefinição da esquerda no Brasil precisa ser costurado. Um em que o alinhamento ideológico não seja mais importante que premissas básicas de direitos humanos, como foi o caso do apoio a governos ditatoriais, com destaque para a Venezuela. Cabe ao PT, pela sua muito mais e mais relevante base militante, liderar este processo.

Os pontos para serem revertidos estão dados. A incógnita está em mensurar qual deve ser o papel de Lula neste eventual novo PT. Em que se pese sua história e sua simbiose com o partido, ele tem sido o curral de Lula, que dá as cartas como se fosse proprietário. O que é certo é que enquanto o partido não se reposicionar a favor do Brasil, vai depender de governos tenebrosos para eventualmente se refortalecer, cenário que pode fazer nascer outro líder carismático – potencialmente, Ciro. Até porque, num mandato autoritário de Bolsonaro, o risco de propagação da violência é alto se o tom acusatório e inflamado for mantido.

Por fim, se eles apostam na soltura de Lula para voltar “nos braços do povo” em 2022, é bom relembrarmos a história. O último a fazer isso, para evitar um golpe militar, suicidou-se com um tiro no peito em pleno palácio de Governo.


Este é o quinto artigo de uma série de ensaios e análises sobre política e estas eleições que se aproximam de seu desfecho.

Parte 4 (19/out): Como Márcio França pode representar o fim do tucanato paulista

Parte 3 (18/out): Apoios estaduais: todos querem Bolsonaro

Parte 2 (17/out): Por quê Bolsonaro está eleito

Parte 1 (16/out): Debater política é baixar o tom de voz


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