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Pedindo a mão

Pedindo a mão

casal, pôr-do-sol, beijo, amor adolescente, paixão
Lucila e Heráclito se conheceram no primeiro dia de aula do primeiro ano do Ensino Colegial. Ou o 10° ano, de acordo com a nova estrutura educacional brasileira. Foi amor adolescente à primeira vista. Se viram, trocaram zap, em pouco tempo nudes voavam nas ondas da internet. Perderam a virgindade juntos, ou assim ele pensava; não se desgrudaram mais.
 
Parecia que para sempre era o tempo que duraria aquela paixão arrebatadora. Mesmo assim, muitas vezes as pessoas não entendem o seu amor. A frase que Lucila mais ouve é “acho que você está exagerando.” A frase de Heráclito é “Fifinha em 15 minutos?” (garotos e suas prioridades).
 
Heráclito foi surpreendido quando Lucila disse que eles deveriam começar a planejar as bodas.
 
– A grande festa dos 50!
– Tá doida Lucila?
– Doida por quê? É uma data representativa pra gente!
– Acho que você está exagerando…
 
Como qualquer relação que se preze, Heráclito nada pôde fazer a não ser acatar os desejos de sua amada. Afinal, eram bodas!, quem não havia de celebrá-las?
 
Empenharam o pouco e suado dinheiro na produção da festa. Todas as economias se transformaram em DJ. Ao mesmo tempo, procuraram economizar onde dava. Antenados, o convite foi por mensagem no Whatsapp mesmo, que ainda garante o recebimento e leitura. Espertos, para os que confirmavam presença pediam um prato de salgado e o que fossem beber.
 
Enfim, após grande expectativa, chegou o grande dia, um sábado a tarde de muito sol e calor.
 
Ele apareceu com boné novo, aba reta estilosa, escondendo o cabelo meio raspado de lado, meio calopsita em cima, com uma faixa de gaza separando os ambientes. Ela veio inspirada em Ludmilla (ou seria Karol Conka?), vestidinho e jaqueta de couro, também de boné, item obrigatório do guarda-roupa do casal.
 
O relógio do celular marcava 20:08h quando Heráclito pediu silencio, arrumou um microfone e chamou Lucila para o centro do salão de festas do prédio.
 
– Hoje a gente comemora a nossa festa dos 50. Uma vida inteira juntos.
 
O pai de Heráclito, já cansado daquela baboseira toda, grita:
 
– Isso já foi longe demais! Faz 50 DIAS que vocês estão namorando! 50 DIAS!
– Mas é como se fosse uma vida inteira! – Retrucou o filho, para os amigos consentirem com a cabeça enquanto filmavam com a tela do celular. – Eu amo a Lucila e vou casar com ela!
– Vai casar é porra de nada, moleque. Anda, arruma suas coisas, acabou a festa.
 
Climão.
 
Os amigos foram saindo meio cabisbaixos, “falou aí”, “até segunda”, “Fifinha em 15 minutos?”
 
Alheios aos fatos, Heráclito e Lucila juraram amor eterno. “A gente vai ficar junto, não importa o que meu pai falar!” E veio o estalo. Ele tirou um anel de camelô que tinha no dedo, ajoelhou-se, e mandou ver a voz do coração: “Lucila, você quer casar comigo?”
 
Os olhos da amada brilharam.
 
Ela tirou o celular do bolso, “peraí que eu tenho que colocar no Insta. Faz de novo?” Ele fez. “Sorria mais.” Ele sorriu. “Ih, ficou meio escuro, tem uma luz melhor ali.” Ali ele foi. “Ai, comecei a filma na hora errada.” Ele insistiu. “Ficou bom, mas eu tava respondendo um zap da Amanda, faz de novo.” Ele refez. “Não sei, não ficou real, sabe, parece meio forçado.” Ele se irritou.
 
– Já é vigésima vez que eu faço. Cansei. Não vou fazer mais.
– Ah, não?
– Não!
– Então é melhor a gente terminar.
– Terminar?
– É! Se você não consegue saber o que é realmente importante pra mim, nem adianta.
– Melhor assim. Já tô atrasado pro Fifa mesmo.
 
***
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