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Quanto dura um minuto?

Quanto dura um minuto?

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Diz a piada, depende de que lado da porta do banheiro você está.

Passavam-se dos 47 minutos do segundo tempo em todos os jogos do Brasileirão em sua última rodada. Em Chapecó, o Coritiba empatava e caía. Em Santos, o Avaí empatava e caía. Sport, em Recife, fazia seu papel e se safava. No Barradão, o Vitória também empatava e se mantinha na Série A. Bastava, no entanto, um gol, unzinho que fosse, um mísero e lamentável e chorado e feio gol em qualquer dos jogos, pronto!, mudava tudo.

Aproximava-se o relógio dos 48 quando um afobado rubro-negro derruba um flamenguista na entrada da área, recebendo um cartão vermelho para testar a temperatura da água do chuveiro dos vestiários. A tensão dominava o Barradão. O ar pesado e sufocante era intragável. Havia mais do que medo no semblante; havia o drama de fantasmas passados assombrando o Barradão.

Aproximava-se o relógio dos 49 quando um estrambólico capitão sobe com a mão levantada na cobrança da falta que perigo não teria. A torcida demora para perceber o que aquele braço esticado do juiz significava. “Não pode ser, não é possível!”: aquele gol, aquele um gol que tudo mudaria, estava prestes a acontecer debaixo do nariz baiano uma vez mais, num último capítulo tenebroso de um Barradão que não impõe mais respeito. Pênalti para o Flamengo.

Era o fim. Havia de ser o fim, pois, sim! Os fantasmas de rebaixamentos passados sobrevoavam o Santuário Ecológico com seu uivo sádico a lembrar de quem, via de regra, não cumpre o seu papel em casa. Exemplos não faltam: 2004, 2005, 2010, 2012, 2014, 2016. Depender somente de si no Barradão é sina que precisa de ajuda de terceiros para não terminar em tragédia. A torcida, incrédula, unhas roídas, cabelos esvoaçantes, camisa rasgada, lágrimas nos olhos, coração estático, respiração presa, observa Diego com as mãos nas cadeiras, esperando o juiz autorizar a cobrança. Nas mãos de Fernando Miguel, nos pés de Diego, nas preces a Nosso Senhor do Bonfim!, nos prantos aos orixás, a única chance para a glória.

Quanto dura um minuto? Pode durar um ano inteiro.

O fiapo de esperança, cinza que teima em arder, mantinha o tempo parado e se materializava nas bocas abertas com corações à mostra que aceleravam com a autorização do árbitro, na velocidade do fluxo sanguíneo que se refazia, nas mãos angustiadas e palavras contidas “vai dar, tem que dar, não vai cair!”.

Mas futebol é maravilha da vida, que proporciona enredo tão sublime e sentimentos diametralmente opostos, mas cheios de intensidade e significado.

Quem na internet plugado estava, celebrava. Gritava. Extasiava. Notícias aterrissam de Santa Catarina: era gol da Chapecoense. Era a folga que salvava: nem a virada do Flamengo mais rebaixava o brioso e imponderável rubro-negro baiano. Quinze segundos separaram o gol em Chapecó do gol da derrota no Barradão. Num piscar de olhos, o inevitável e decepcionante se transformava em inacreditavelmente magnífico.

Quinzes segundos.

Bastaram quinze segundos mais para que a notícia varresse as arquibancadas como rastilho de pólvora: o impossível, o imponderável era, mais uma vez, realidade. Os jogadores do Flamengo ainda se abraçavam pelo gol do triunfo quando todo o Barradão explodiu em uníssono por um gol verde e branco condá a milhares de quilômetros mais ao sul.

No minuto que separou os trilos dos apitos dos árbitros aqui e alhures, rebobinou-se o tempo para a angústia daqueles 47 minutos antes da falta, do cartão vermelho, do pênalti marcado: a espera! Três minutos intensos e que resumem o futebol e sua magia incalculável, entre o medo, o desespero, a alegria e novamente o medo, para que a alegria, por fim, torne-se imutável.

Puderam todos, finalmente, respirar aliviados e gritar o grito preso na garganta. O grito de alívio de um ano sofrido, duro. De penitências políticas dizimando o clube por dentro, de contratações questionáveis, de prejuízo no balanço financeiro, de cinco técnicos e constante futebol capenga. Os problemas, no entanto, ficam para terça-feira.

Por hoje, depois da montanha-russa de emoções resumidas em parcos e longos e impactantes três minutos, quem ganha é o futebol, que adiciona mais um capítulo grandioso a seu livro de fábulas fantásticas. Por hoje, restam a glória e a certeza de que este ópio do povo é mais do que um jogo de bola. É o traço indelével da cultura de uma nação. Nação país, nação Bahia, nação rubro-negro baiana. E o principal ator deste enredo é o brioso e agora incaível Esporte Clube Vitória, neste Brasil que é grande demais.

Lembremos nosso hino: Eu sou um grito de glória, eu sou Vitória, de coração! Coração que vai muito bem obrigado, por sinal, por que vivo estou.

* Gabriel Galo é escritor foi declarado morto diversas vezes nestes 3 minutos.

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Artigo publicado em 04 de dezembro de 2017 no site do Correio da Bahia. Link aqui.

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Crédito da foto: GILVAN DE SOUZA/ FLAMENGO

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