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Redescoberta

Redescoberta

Redescobri minhas raízes com a Bahia recentemente. Reconexão. Ver Salvador mais bela me amoleceu o peito endurecido por uma infância esquecida, a feiura e os maus tratos e a sujeira a me empurrar para cada vez mais longe, o Vitória e seu eterno sobe e desce que põe a fé à prova. O atraso. O descabido.

Por lá vive meu pai, paulista que sempre odiou ser painho, mas enamorado com todo o resto que há de Bahia. Ou quase todo.

Por lá está Mutá, pequeno pedaço de paraíso, mistura de mangue com chumbinho com canoas, com uma maré mansa que casa com o que significa ser baiano.

Por lá tem meus avós, exemplo maior de paciência e dedicação que jamais conheci. Resiliência. Carinho extremo. Alegria genuína quando digo que ninguém no mundo tem vó mais bonita que a minha. Ou quando beijo a careca do careco, seu Perez para muitos, Voinho para sempre.

A casa de chão de brita que machucava os pés e esbranquiçava a vista quando criança saía a correr do escuro de dentro para a vida lá fora. Hoje, cerâmica, e mais tantas casas.

A Bahia de Aílton, adotado para sempre como tio, que fica verdadeiramente chateado quando cogito ir por lá e não querer incomodar ficando em sua casa. “Incomoda o caralho”, diz, cheio de afeto.

Por lá, palavrão é vírgula. Se tem abecedário próprio, imagine idioma!

“Porra, véi, você fala palavrão pra caralho”, me dizem. Veja só. Aí é barril.

Barril, gíria nova que Mainha, na conexão Bahia – São Paulo – Ushuaia, desconhecia. Precisa ela se reconectar também, penso.

A janela dos fundos se abrindo para o porto de Salvador, pôr-do-sol mais belo que jamais verei. Por que pode até haver pôr-do-sol mais belo, mais jamais mais belo, porque não é aquele do Santo Antônio, cheirando a pão quentinho com manteiga e café já doce.

“Menino, não vai pular aí, senão o túnel vai cair”, grita Voinha da cozinha, dessas sandices que não encontravam sentido em minha cabeça de criança, e encontra como saudade e anedota e superproteção na de adulto.

O sorriso fácil. O amor distribuído a quem quer que seja. Sorria, você está na Bahia!

“Bom dia, morena!”, eu falando e sorrindo quando nós chegando à praia praticamente privativa logo cedo numa terça-feira.

“Bom dia, meu amor! Tudo bom?”, rendeu-se a morena. Senti os olhos de minha mulher me atravessar as costas. E aí, como explicar que assim é a Bahia?

Um sorriso sincero vale mais do que dinheiro. O trato dócil te abre o mundo do que é aquele lugar. E não deveria ser assim em qualquer outro? O mundo tem muito o que aprender com a Bahia.

No carro, trajeto obrigatório passa por cada ponto da memória. Segue meu pai:

– Aqui foi onde estudei. Aqui você estudou. Fui batizado nessa igreja. Morei nesta casa. Aqui é o Castro Alves. Já te contei da vez que…

Já tinha contado. Umas tantas e outra vezes. Mas conte, todas as vezes, tantas quantas forem possíveis. Lute para não me deixar esquecer.

***

No Solar do Unhão, o sol se vai depois de mais um dia. Uma maravilha da natureza.

Jamais mais belo.

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