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Sentinela

Sentinela

Nas redondezas, nada escapava aos olhares atentos de Dona Expedita. Vivia apoiada na janela, olhos atentos e dissimulados. Reunia as amigas prum chá da tarde religiosamente todo sábado na casa dela. Sentadas em volta da mesa de centro que apoiava a caixa de chás, o bule água pelando, açúcar e leite, comentavam frivolidades. Todas ficavam bebericando ansiosas, esperando a bomba da semana.
 
Foi a primeira a descobrir a gravidez da Ticinha, antes dela mesma. Menina moça, nem ainda saída do segundo grau, passou pela porta sentindo-se um pouco enjoada. Colada no Chico que vivia, entregou os pontos para a faladeira, e pouco menos de 9 meses depois nascia o Gustavinho.
 
Tinha convicção de que Gustavinho, filho de Dalva, começou a mexer com tóxico. Velho não fala droga, fala tóxico. Hoje, ele cumpre pena pela terceira vez, todas por tráfico e posse de entorpecentes. Polícia não fala droga, fala entorpecente.
 
Sabia de indiscrições, de traições, de brigas, até mesmo de desejos íntimos. Tinha o poder de destruir reputações.
 
Fez dinheiro durante um tempo. Personagens inseguros da vizinha vinham ter com ela para saber de suas opiniões sobre o alheio. Outros pagavam para que ela guardasse para si suas “descobertas”. Muitos furos vieram assim.
 
 
Família reunida na casa de Dona Expedita no domingo. Todo mundo quieto, afinal, a matriarca não conhecia barreiras entre o privado e o público.
 
– Rapaz, vocês viram essa história da NSA?
– O negócio lá do governo americano?
– Loucura! Parece que os caras sabem de tudo. Até da Dilma!
– Que absurdo, né? O tal do Isnôuden dedurou o esquema e se mandou.
– Pois é… Se nem presidente está protegido, imagine a gente?
 
Dona Expedita se intrometeu na conversa.
 
– E como é isso?
– Parece que criaram um sistema pirata, que vê e escuta tudo em telefones, email, mensagens…
– E funciona?
– Ô! Custou uma fortuna.
 
Dona Expedita deu de ombros. Dizia para si que tem coisas que somente os olhos são capazes de revelar. “Os olhos são a porta para alma”, sorriu de canto de boca, conhecia de gente, e, neste sentido, sabia mais que essa tal de enéçei. Mas ponderou que uma dessas escutas viria bem a calhar, facilitaria um bocado seu trabalho.
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