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Suba o viaduto, vá

Suba o viaduto, vá

Viaduto Raul Seixas, em Salvador, que liga a Paralela à Tancredo Neves.
(Salvador, quinta-feira, 23 de novembro de 2017, 14:37h, horário local. Dois amigos estão num carro, som ligado e ar-condicionado no talo. Já saíram da Paralela e se aproximam do entroncamento que liga às avenidas Bonocô, ACM e Tancredo Neves. Ambos rubro-negros, vivem meio que esquecendo a 37° rodada do Brasileirão, quando o Vitória enfrenta concorrente direto na luta contra o rebaixamento, em duelo de 6 pontos onde só o triunfo interessa.)
 
****
 
– Suba aí nesse viaduto, vá.
– Oxe? A gente tá indo pro Bonocô, man!
– Deixe de onda, vá. Faça o que eu tô lhe falando. Suba aí no viaduto.
– Porra, pra gente cair na Tancredo? Baita volta da porra. Colé?
– Rapaz, deixe de atrapalhar minha disgraça. Pegue o viaduto.
– Vou é não.
– Hômi, você quer estragar o trabalho, é? Tô lhe falando!
– Que trabalho, cabeça? Que cachaça ruim é essa que você fumou?
– Fumei nada ainda. Você que fica empatando!
– Véi, o carro é de quem? A gasolina de oito reáu, quem bota?
– Eu vou é botar a mão ni sua cara. Suba aí! Tâmo chegando, aí vai ser tarde.
– Já falei que não vou.
 
O passageiro começa a querer virar o volante contra a vontade do motorista. Pequena luta se faz. O carro ziguezagueia pela pista, cruzando faixas, fechando bruscamente outros veículos que buzinam impacientemente. Ao fim, o carro começa a subir a elevação do viaduto que leva até a Tancredo Neves. O motorista se revolta.
 
– Coé, cabeça? Que porra é essa? Quer me matar, porra?
– E você quer o quê? Quer me comer, é?
– Oxe! E olhe pra isso, tudo parado aqui!
– Rapaz, tinha que fazer e pronto.
– O que eu tenho que fazer é cair pa mão quando a gente parar esse carro.
– Você que num quis me ouvir.
– Ouvir o quê, seu satanás? É mestre mandou essa disgraça aqui agora?
– Ô, véi, já te falei e num vô falá mais nada.
 
Silêncio se faz por alguns segundos. A respiração de ambos está um tanto ofegante.
 
– Ó paí, trânsito parou de novo. Tudo por causa de sua maluquice.
– Qual o quê? Maluquice, nada!
– Qual o quê, minha taca. Maluquice, sim.
– Véi, já vi que vou ter que desenhar.
– Então, vá, desenhista.
– Vai ficar com ironia?
– Ande!
– Véi, viaduto é ponte?
– Oxe? Que diabo de pergunta é essa?
– Rapaz, só me responda: viaduto é ponte?
– E eu lá sei?
– Pois então, eu também não sei, mas parece.
– E daí?
– E daí? E DAÍ? Se eu sou maluco, você é burro.
– Mingula! Cadê o desenho que você falou?
– Rapaz, Domingo tem Vitória contra quem?
– Ponte.
– Então: Ponte. E você não quer passar por cima da Ponte? Quer o quê? Passar por baixo? Quer estragar meu baba? Depois o time cai e a culpa é sua!
– Eita!
 
Ele vira de vez, catando pneus e fazendo quase um retorno.
 
– E agora o quê?
– Tô voltando.
– Pra onde?
– Pro viaduto que num sei se é ponte. Bora passar esse carro por cima um monte de vez!
– Bora, Vitória!
– Bora, Vitória!
***
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