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O botão ativador da glória

O botão ativador da glória

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Hei de confessar: domingo último, dia 26 de novembro de 2017, morri 4 vezes. Sigo parafraseando como escreveu Getúlio, adaptando aqui e ali de acordo com a narrativa desejada: “saio da morte para contar a história.”

A primeira vez, quando Lucca acertou resvalada na zaga e a pelota dormiu mansa nas redes baianas, matando Fernando Miguel.

A segunda vez quando Wallace, o zagueiro-entregador, o maior assistente dos adversários do Vitória, puxou adversário pela camisa chamando de meu amor, “senhora, fica aqui, senhora!” e a Ponte sacramentou 2 a 0 no placar.  Ali já comecei a traçar planos de viagens pelos rincões do futebol na Série B.

Só que aí Rodrigo, o melhor jogador do Vitória em campo, ficou com inveja de Wallace, gritou, “quer ver que eu entrego mais?” e urologizou Trellez. Quarto árbitro viu, avisou o senhor seu juiz, que não contou conversa e mandou o indigitado zagueiro tomar um banho frio e acalmar a sanha sescual (alô, Alberto Roberto) que lhe dominava o juízo.

Já vi macaco dando aquela conferida no próprio orifício para ver a intensidade do cheiro, mas no alheio, confesso, foi a primeira vez.

Assim, reacendia-se a lâmpada da esperança rubro-negra por meio da dedada no interruptor de Trellez. Maledicentes dirão que era o que a equipe precisava, de um incentivo, por assim dizer. Os americanos dizem que “é necessário saber quais botões apertar”, uma expressão que se abrasileirou na prática. Outros maldosos dirão mais, que foi a água de Campinas que contaminou o zagueiro, com passagem pelo São Paulo, e que justificaria tal ato. Muita gente maldosa neste mundo, porque não foi nada disso.

Se até então o dia era de infâmias, haveria de ser invadido pela glória.

No que puxo do baú da memória a lembrança de que houve um momento ainda mais crucial para a épica virada rubro-negra. Sim, claro, não se irrite, não devo e nem vou diminuir a importância do despautério do zagueiro da Macaca com a macaca no dedo; no entanto, acompanhe comigo e diga se não é maior e melhor.

Aos 12 minutos do segundo tempo o Vitória fazia seu primeiro gol. André Lima, o Buda centroavante, o amigo de refrigerante e de biscoito recheado de Walter, o homem que desafia a gordofobia nos esportes de alto (sic) rendimento, testou para dentro bola desviada por Danilinho. Quanta improbabilidade junta! O que você não viu, ou não percebeu, ou não quis perceber, foi o evento fundamental de poucos segundos antes. Qual? Ora!

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André Lima agradece a Buda o gol contra a Ponte Preta.

Subiu a placa aos 11 minutos, substituição no Vitória: entrava Danilinho para a saída de Neílton. Fez-se a salvação no letreiro com o 10 vermelho e o 70 verde. Não pela entrada de Danilinho, o nosso Tupãzinho por um jogo, talismã rubro-negro, mas mais pela saída de Neílton, o garoto Corega, o menino da dentadura mais estranha do futebol brasileiro, o mestre da displicência futebolística. Displicência, seu nome é Neílton. Se a Ponte Preta jogava com um a menos depois da expulsão de Rodrigo, o Vitória iniciou a partida com um a menos. A entrada de Danilinho finalmente colocava os soldados de Mancini em superioridade numérica!

Repare que, no primeiro gol, Neilton ainda caminha de cabeça baixa por trás do gol da Ponte Preta em direção ao banco de reservas, enquanto seus colegas correm para o abraço. A alegria do selecionado foi tanta por causa da substituição que, um minuto depois, Trellez, eletrizado e energizado, meteu-lhe a caceta do meio da rua, mostrando a Rodrigo como é que se faz, e empatando o jogo.

Morri pela terceira vez. Na retomada da consciência, recolhi minhas toalhas que se espalhavam pelo quarteirão. Já raciocinava que um empate estava de bom tamanho.

Mas, quá!

Num contra-ataque aos 39, Danilinho, o diminuto herói improvável, centrou para Trellez, que de carrinho empurrou a redonda para o fundo das redes. Hora de ficar doido! “Se eu morrer agora – e morri –, vou feliz!” Arrumei as toalhas numa espécie de puff e me jogava em cima de felicidade. “TIME GRANDE NÃO CAI!”

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Trellez comemora o terceiro gol do Vitória, o da virada contra a Ponte Preta, em Campinas, dia 26 de novembro de 2017, no alambrado, junto à torcida rubro-negra.

Trellez, o colombiano artilheiro futuro presidente da Conmebol, do Mercosul e da porra toda, foi comemorar no alambrado; extravasou, gritou. O árbitro, essa raça de gente ruim e mal-amada, dedou um cartão amarelo ao atacante rubro-negro, que ficará de fora da última rodada contra o Flamengo no Barradão, na festa da permanência.

Daí o couro comeu, pau quebrou e tiros de borracha foram disparados em 37 idiomas.

Esse tal de futebol é coisa linda, meus amigos. Ou como diz o mestre Paulo Leandro, melhor que seja o fútilbol. Aquele jogo em que o improvável é senhor do destino. Em que um mesmo jogador oscila de vilão a herói em poucas rodadas. Em que uma virada histórica no apagar das luzes reorganiza a paixão de uma torcida, para o bem ou para o mal.

Quando crianças, sonhamos com a glória nos gramados em momentos como estes, quando se joga pela vida e pela honra. Queremos ser o jogador que parte para o abraço quando ninguém mais acreditava. Ah, o brilhantismo de uma vitória suada! Agora, sonharão os rebentos com mais um capítulo da saga do futebol, este senhor pueril que teima em brilhar. Sonharão serem eles Trellez no alambrado.

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