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Uber tales: Wagner

Uber tales: Wagner

Espero meu Uber na saída da Estação Vila Madalena do metrô, no caminho de volta para casa depois do dia de trabalho. Como é usual, o GPS do aplicativo não funciona corretamente, e o carro que aceita a minha corrida parece dirigido por David Copperfield, desaparecendo de um ponto e aparecendo no outro. Resolvo ligar para confirmar onde o motorista está. Quem atende o telefone é o Wagner. Dono de uma voz poderosa, ele confirma a localização. Cerca de 1 minuto depois o Toyota Etios encosta no posto de gasolina onde estou.

Wagner tem próximo de seus 50 anos. Alto e magro, ostenta algumas tatuagens e dedos da mão direita cheios de anéis com desenhos não comuns, 4 no total, apenas o dedão escapa.

O que você faz da vida, Wagner?”

“Eu sou instrutor de trânsito.” Eu já imagino um marronzinho da CET, mas ele continua. “Professor de autoescola. Mas fui demitido tem 5 meses. Levei uma multa gravíssima com a minha moto. Começou a dar problema com o meu cadastro com os alunos da autoescola, fui no Detran ver e estava com esta multa aí. Eu nem tinha recebido a notificação ainda! Fui mandado embora por justa causa, instrutor não pode ter multa gravíssima, entende? Faz uns 2 meses que entrei no Uber.”

Por conta de precisar resolver algumas coisas de trabalho no caminho, o papo com o Wagner demorou a começar, no que, quando paramos na frente de casa, ainda ficamos mais de 10 minutos no carro jogando conversa fora.

É impressionante o que as pessoas estão dispostas a compartilhar se você se dispuser a apenas escutar.

“O Uber tem sido bom para mim. Faço as minhas horas, não tenho chefe. Tenho a liberdade que eu preciso. Começo a trabalhar às 6 horas da manhã. Paro para o almoço, volto para casa, faço o almoço, dou os remédios de minha mãe, durmo um pouco. Umas 3 ou 4 horas da tarde eu volto para a rua e fico até 11 horas, meia-noite. Eu pago as minhas contas, não dependo de ninguém para sobreviver, vivo minha vida tranquilo.”

Está óbvio o orgulho de fazer-se por conta própria, e sua história corrobora esta impressão.

Pergunto sobre sua voz, se já tinha trabalhado com ela. É aí que ele se solta e conta mais sobre sua vida.

“Eu já tentei. Quando eu era novo eu fiz teste para emissoras de TV e rádio. Várias. Passei em todas. Mas para começar a trabalhar precisava de um curso de locução que na época só tinha no SENAC. Isto tem quase 30 anos, eu era adolescente ainda. Eu era muito amigo do filho do José Silvério, o narrador esportivo, sabe? O Zé, quando me ouviu, abriu as portas para que eu fizesse os testes. Mas tinha o tal curso.”

“Meu pai morreu muito novo, tinha 45 anos. Então a gente se viu em casa tendo que sustentar tudo, e a responsabilidade caiu nas costas do meu irmão. Ele bancava tudo dentro de casa, eu com 17, 18 anos. Quando surgiu essa oportunidade, eu queria muito seguir esta carreira, mas eu não tinha como bancar o curso por conta própria. Eram 6 meses de curso. Eu jamais poderia pedir para meu irmão pagar. Ele até teria condições de pagar, tinha um bom emprego e ganhava bem. Mas eu não poderia jogar mais esse peso nas costas dele. Eu trabalhava informal desde os 16 anos, estava acostumado a ganhar o meu dinheiro. Então, não fiz o curso. E fui viver a minha vida.”

“Minha mãe sempre me fala que não estuda, se vira. É o que eu tenho feito a minha vida toda: me virado. Já fiz de tudo um pouco. Fui corretor de imóveis, fui dono de distribuidora de cosméticos, gerente de estacionamento e de lava jato e mais tanta coisa! E já fui casado 4 vezes.”

Pergunto se os anéis são um para cada ex-mulher. Ele ri da coincidência, mostra as mãos com certo orgulho.

“Eu sou roqueiro. Gosto muito de rock, do estilo. Uso anéis como esses desde os 12 anos. Acabei acostumando.”

Ele continua sua narrativa.

“Aí seja onde for, no que for, parece que estou sempre recomeçando. Vou até o final com o uma coisa, mas ela se esgota. E daí tenho que começar de novo. Um ciclo interminável.”

Comunica-se com desenvoltura sempre com seu vozeirão ecoando pelo diminuto espaço do Etios. Não poderia deixar de inquirir se ele não tinha intenção de finalmente fazer o curso, de seguir uma carreira diferente.

“Eu até tenho vontade, mas hoje é mais difícil. Tenho quase 50 anos. E como pagar pelo curso? Já era caro antes, nem sei quanto custa agora, se demora mais tempo.”

A gente se cumprimenta como grandes amigos na despedida. Vê-se no seu semblante a leveza do desabafo.

Desejo-lhe boa sorte.

Volto para casa com uma pulga atrás da orelha.

Oportunidades devem ser criadas não somente para quem está começando.

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