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Uma questão de ambição

Uma questão de ambição

(meu artigo de hoje, 13 de novembro, no Jornal Correio! Esta crônica vai dedicada ao escárnio e à pirraça, tão caros à Bahia. Na sucessão de eventos que se fez desde a chegada de PC Carpegiani, antigo professor Pardal, agora GUARDIOLANI, parte da Bahia mira a América, que é  do tamanho da ambição do Bahia, sedenta pela redenção do possível G9 do Brasileirão. E começa os preparativos desde já, provocando a fantástica migração de professores de espanhol para Salvador.)

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UMA QUESTÃO DE AMBIÇÃO

Quem pousa na velha cidade da Bahia já poderá enfrentar, se iniciado não for, uma certa dificuldade em entender o dialeto. Coisa de quem não esteve em contato com o baianês, ora. O vocabulário próprio se destaca do resto do país, fortalecendo a cultura local, aumentando o senso de comunidade. Pegou a visão, pai?

Então se plante porque o que tem se orquestrado nas ruas e becos e vielas de Salvador e fronteiras baianas é uma descomunicação que aperta a mente como o quê. Os tradicionalistas se arrepiam, pois não aceitam estrangeirismos. Aparentemente, no entanto, estão sendo vencidos pela necessidade funcional do que se avizinha.

“Ora, mas que homilia toda é essa, hômi de Deus? Largue sua palestra de uma vez”, gritam os mais afoitos, já não se segurando mais com essa zoada toda. E eu explico, sem medo de parecer adepto da importação de modas, mas tenho que me padecer de simpatia pelo movimento migratório que invade a Baía de Todos os Santos: os professores de espanhol.

“É a crise!” me contou em confidência um destes professores, que largou São Paulo para fazer casa em Salvador. Nascido em Buenos Aires, já tem parentes que vendem artesanato na Barra e Praia do Forte. “Foram eles que me contaram do que anda passando por aqui. Quando soube, vim correndo”.

Está em todo lugar, repare, espie só, orelhas com o radar ligado. Você vai ouvir algo parecido com isso. Dois amigos rivais se encontram:

– E aí, véi! Viu que meu Vitória brocou o Palmeiras? O Barradão voltou!
– ¿Cómo? No comprendo. Sólo hablo español.

Tem gente se retando com tanto disparate.

– Colé, man? Vai colar no baba amanhã?
– Por supuesto. Llevo la pelota!
– Mingula!

Virou corriqueiro, varreu a cidade como rastilho de pólvora.

Fonte Nova já virou Fuente Nueva. Edigar Junio já está se acostumando a ser chamado de Rúnio. Famosa torcida organizada já prepara faixas traduzidas para “hinchada”. Cervejarias se programam para lançar as piriguetes argentinas e uruguaias. Nesta buena onda, quem se deu bem foram as escolas de idiomas, que projetam lucros e tempos prósperos.

Acompanhei uma primeira aula ao vivo:

– Entonces. Primeira cosa que tenemos que aprender. No se dice “Bora, Baêa!”, decimos “Vamos, Baêa! ‘Vamos’ com som de ‘bê’”.

A classe inteira repete: “Bamos, Baêa”. Um aluno do fundão levanta a mão e pergunta: “Professor! E brocação, como se diz?” No que o professor, sem deixar a peteca cair e sem desmanchar o penteado, larga a resposta na lata: “Sí, claro: Brocación”.

Pronto: baianizaram o portuñol. Porque a América é do tamanho da ambição do Bahia.

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Artigo publicado em 13 de novembro de 2017 na página 2 do inoxidável Correio da Bahia. Link aqui.

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Leia meus outros artigos publicados no Correio.

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