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Zica do casamento

Zica do casamento

Passam-se os anos e a gente amadurece. Repensa as atitudes, revê aquilo que pode ser melhorado, revisita cada momento analisando o que de errado aconteceu. Queremos ser pessoas melhores. Aprender é, inexoravelmente, ato contínuo.
 
Daí que meu casamento, terminado há pouco mais de 2 anos, entrou também nesta seara de avaliação. Ora, e como não? Evoluir no novo “a dois” é tarefa fundamental para evitar criar gatos numa quitinete. E olhe que eu nem gosto de gato.
 
Raciocinei-me todo e cheguei até o ponto exato em que havia a evidência clara de que o casamento não era assim uma boa ideia. O ponto chave. Aquele que, a partir dali, seria ladeira abaixo, na banguela e sem freio. Tivesse eu percebido os sinais que o universo tão meticulosamente me jogava na cara, tudo seria diferente.
Conto como assim foi.
 
 
Chegava eu ao cartório da cidade de Santana de Parnaíba para perguntar sobre os trâmites necessários para poder contrair matrimônio. Se precisava agendar hora, quais os documentos, quantas testemunhas, e mais o que fosse exigido. Segui as setas que indicavam o caminho, peguei uma senha e esperei. Havia apenas um escrivão atendendo. Na mesa com ele, 3 pessoas: uma menina, a mãe dela e um garoto.
 
– Eles vieram aqui pra casar, senhor, iniciou, impaciente e resoluta, a matriarca, segurando a filha pelo braço.
– Entendo.
– Eu preciso que o senhor me diga o que precisa para que eles casem.
 
A cena das caras de pavor dos dois garotos contrastadas com a raiva latente da doída mãe era um tanto cômica. O garoto, coitado, tremia apavorado. Sequer tinha tirado o boné em momento tão importante de sua vida: seu casamento.
 
Continuou o escrivão.
 
– Aqui nós temos a lista de documentos necessários para que o casamento possa ser realizado, e entregou uma folha de papel para a senhora em sua frente.
– Pois a gente vai é agora buscar tudo. A gente volta e já casa agora mesmo.
 
O camaradinha lá todo trancado. Não passava nada. A menina, de cabeça baixa e sem trocar um olhar com o mundo fora de seus joelhos.
 
– A senhora vai me desculpar, mas tem um problema aqui…
– Problema? Não tem problema nenhum! O senhor vai casar estes dois é hoje mesmo.
– Então, senhora. Eu até poderia, mas apenas se os dois quiserem realmente casar. Tem que ser consentido pelo casal.
– Eles querem e vão!
– Vocês querem, realmente, casar? Virou o escrivão para os pombinhos.
– Querem!
– Não, senhora. Eles é que têm que responder.
 
Ela apertou com força o braço da menina, que continuou com os olhos fixos, imóvel, nos joelhos. O rapaz olhava para fora, como se aquilo tudo ali nem fosse com ele. Silêncio total, quebrado, uma vez mais, pelo escrivão.
 
– Infelizmente, senhora, eu não vou poder realizar este casamento.
 
Agora, por mais que eu tente, jamais poderei descrever com exatidão a alegria estampada na cara do rapazote. Sua expressão saiu da apreensão da morte ao êxtase da vida eterna. Naquele instante, por dentro, ele reagia tal qual um funcionário desmotivado, preso num emprego medíocre e odiado pelo chefe que descobrira ter ganhado sozinho na Mega da Virada. Sabe como você reagiria? Quebrando a porra toda, pirocóptero e os caralho, #chupasociedade? Ele estava assim, mas por dentro. Por fora, o maior sorriso que um ser humano poderia exibir. E a menina era, finalmente, mais do que joelhos.
 
A senhora pôs-se, então, de pé e seguiu para fora pisando firme, resmungando, até que eu não mais pudesse vê-la. O casal, recém-saído das fraldas, se olha com alegria e alívio. Escaparam do maior castigo existente por um simples sexo adolescente.
 
 
A tela apita a minha senha. Tudo era um pouco surreal naquele momento. Não importa aqui a sua crença, fé, se acredita em destino, magia ou casualidade. A partir daquele instante, aos que acompanharam tal espetáculo, instalava-se a zica do casamento. Estava zicado, bicho. Assim, simples. Porque nenhuma história pode prosperar quando a vitória do casamento evitado é tão acachapante.
 
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