Você, pai ou mãe, chega em casa um dia e se depara com aquela mensagem de que vai ter amigo secreto na escola do seu filho. Trata-se de uma decisão praticamente existencial. Isso sem contar o fato de que aquela criança você nunca viu, nem sabia que existia, a não ser por causa daquele pedaço de papel que diz apenas o nome da criatura e a data de quando os presentes serão entregues.
Claro, a idade muda muito a percepção de qual presente entregar. Menino mais novo? Manda Hot Wheels, boneco de super-herói, estereótipos existem para ser reforçados, pensam muitos, querendo não errar. Menina? Boneca funciona.
Tem gente que arrisca para mostrar que é pai ou mãe preocupado com a educação da criança. O presente serve como um tapa na cara dos pais receptores. Aquele brinquedo construtivo de madeira que estimula a criatividade e ainda é feito de material reciclado.
Tem, ainda, a terceira opção, a do risco. É aqui que a galera que quer ser diferente se embanana toda.
Amigo secreto de criança na escola segue nessa toada, a dúvida entre a segurança, o evoluído e o arriscado.
—
Corria o ano da graça de 1995. Eu estudava na sexta-série do Sacramentinas, colégio de freiras em Salvador, que em absolutamente nada conseguiu encaminhar minha crença religiosa, mas era das melhores instituições de ensino da cidade. As lembranças são poucas daquela época, e vez ou outra ressurgem para desaparecer no buraco da memória onde se escondem.
Nem com muito esforço serei capaz de lembrar o que meus pais, no caso minha mãe, tinham escolhido como presente. Muito menos quem era o presenteado. Poucos são os nomes de que me lembro, embora alguns desta época ainda sejam amigos até hoje, mesmo passado mais tempo do que gostaria de assumir.
Tampouco conseguirei buscar quem me deu o presente. Mas, digamos, foi um presente marcante.
É bom colocar em perspectiva que para ouvir música, não tinha esse negócio de Spotify, Youtube, tinha que grudar as orelhas no rádio. Ou ainda comprar LPs, fitas cassete, ou o recém-entrante no mercado CD, ainda caro e quase sem aparelho que os tocasse. Troca de tecnologia leva um tempo. Internet ainda era coisa do futuro.
Naquele ano tinha estourado um certo grupo de pagode baiano. De uma loira de um cabelo platinado mal pintado, que só foi ter nome um tempo depois. Grupo que nas músicas exalava poesia como os lindos trechos “todo mundo na viagem/ no trenzinho da sacanagem”, aquela famosa letra que mandava segurar, amarrar, e segurar de novo, que mete em cima e em baixo e vê no que vai dar nove meses depois, ou ainda aquela que escancarava para geral que eles eram o novo som de Salvador, paquerando geral.
A capa era supreendentemente comedida, não tem nenhuma bunda nela! Nas seguintes, corrigiram o erro.
Meus pais ficaram, decerto, decepcionados com o presente recebido. Quem é que porra dá um presente desses pruma criança de 13 anos, que já na primeira música soltava “o ai que ela fazia, o ui que ele dizia” e depois uma sucessão de uis e ais cheios de intenções escusas e de trocadilhos?
Se o pau que nasce torto nunca se endireita, levemos a discussão para que envolva esferas de outras ciências, com o tempo vi que menina que requebra não necessariamente pega na cabeça, e que, porra, se ela quiser ir Domingo, que ela tome seu rumo e vá de vez ou então deixe de onda.
Porque naquela época, ou por uma infeliz coincidência de um julgamento estranho de pais alheios, mesmo que você ainda se encontrasse no auge dos seus 13 anos, o clima de estendida putaria daquela cidade ia ao seu encontro exigindo a sua presença e ainda reclamando “onde é que você tava, mizéra?”
—
O LP está até hoje aqui em casa.
—