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Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo –
A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Manoel de Barros, em “O Livro das Ignoranças”
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É uma questão de ambiente, diria eu, depois de tantas provas irrefutáveis de que saber ou não saber segue uma linha tênue, conforme o efeito da manada, prum lado ou pro outro, pedindo adequação e alinhamento, na cadência da conformidade imposta.
Seguia o programa de virada de ano no SBT, eu ali vendo de canto de olho, e entendo agora que nenhuma alma há de ficar impune a tal fato. Se seu ano está acabando e você tem como companhia, mesmo que por poucos segundos, o Celso Portiolli comandando apenas mais uma das produções breguíssimas do canal do seu Sílvio, meu amigo, melhor rever um monte de coisa na sua vida.
No visor, Ludmilla (quem?) dançava desengonçada um funk abominável, mais preocupada com o vestido que lhe subia as pernas e a obrigava a puxar para baixo, tal qual gordo ajeitando a cintura da calça, mas no sentido inverso, checando sem tirar os olhos do retorno de imagem para ver se não mostrava mais do que deveria pra alegria daquelas pobres almas que buscavam, pelo menos, alguém pagando calcinha no Ano Novo. Tem gente que precisa de pouco. “Esse ano foi uma merda, pelo menos deixa eu ver se é branca, se é que está usando!”, pensavam os desolados no desesperado da sidra quente, do peru requentado, da farofa fofa que maçaroca no céu da boca e da tradição da lentilha.
Pensando bem, porra, Ludmilla!, seria praticamente uma atitude cristã, de evolução e preocupação social. Estado de bem-estar, sacou? Politicada se ajunta em Brasília, “precisamos melhorar o moral do povo” e se decide quem vai pagar calcinha este mês, porque os nossos se especializaram no que tacanho.
Do que estava falando mesmo?
Ah, a ignorância.
Já refestelado na comilança, esperando os fogos da esperança pra finalmente colocar meus pequenos para dormir e torcendo para que não quebrassem nada que tivesse custado mais do que quinze reais – tem horas que o possível é, tão somente, torcer – uma esparramada no sofá parecia coisa boa a se fazer.
Então, perguntaram pra mim:
– Daqui a pouco vai ter o João Felipe, né?
– Quem?
– O João Felipe não vai cantar?
– Nem sei quem ele é…
– É o filho do Leonardo.
– Nunca ouvi falar…
– Você não escuta música?
Ignorante aquele que não sabe das coisas de onde está.