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A inescapável breguice do amor

A inescapável breguice do amor

Você diz que com você JAMAIS! Não, não e não. Outro não, para enfatizar. Você vê aquele casal grudadinho, txutxuquinho, bicotinhas, sorrisinhos e cochichinhos, beijinhos e carinhos e amassos públicos… No amor, o diminutivo é superlativo. Você ali, observando, não conseguindo disfarçar uma certa repulsa, afe, comigo isso jamais aconteceria!

Ora, meu caro ser de coração peludo, chegou a hora de admitirmos o inegável. Estamos todos fadados a sucumbir à inescapável breguice do amor.

Alguns transparecem nos apelidos.

Uma amiga minha chama o namorado de Príncipe. Até aí nada de mais, certo? Acontece que ela se refere a ele somente como príncipe. Inclusive com ele do lado, na conversa. Assim diz:

– A gente foi ver apartamento, daí o príncipe falou…

E ele ali do lado, membro da realeza, virando personagem do mundo fantástico do amor.

Para outra, era o Vida. Depois de alguns minutos de conversa, eu entendi que ela jamais falaria o nome do rapaz, e eu perguntei:

– Mas, vida, qual seu nome?

– Tiago.

– Eu ia me sentir desconfortável chamando você de vida o tempo inteiro.

Apelido pega que gruda, não adianta lutar contra. Aposto que você tem o seu.

Outros, preferem transparecer nos carinhos e afagos.

O ciclo de vida dos carinhos começa na lambeção extrema. No auge da paixão, toda hora é hora, todo lugar é lugar. E quando você se dá conta, tem gente um em cima do colo do outro, aos beijos, fervorosos, com gemidos e tudo, em plena missa de Domingo. A ânsia vai diminuindo até chegar na bicota. Só existe profissional tarimbado no mundo da bicota. A bicota é cumplicidade, é o resumo do eu te amo de longa data. Exige anos de relacionamento, ter vivido muita coisa junto. Seus avós dão bicota. A bicota é a resistência da demonstração física quando o corpo não pode mais do que aquilo.

Tem aqueles que preferem o segredo das piadas internas e dos sussurros nos pés da orelha. Todos ali, serenos e impávidos, vendo a declaração de um discurso da ONU sobre a guerra na África, e o casal começa com as risadinhas. “Hihihihihi” contido, seguido por um “Shhhhhh, fala baixo!”, “Para!” e mais risinhos. Um beijinho no pé da orelha acompanha. Uma gargalhada escapa, “desculpa, gente!”, e voltam-se um para o outro, outra vez rindo. “Para!”, “Eu não fiz nada! Para você!”, “Hihihihihi”, tudo de novo e novamente.

Tem os elevadores de adoração. Aqueles que, não importa o que estiverem falando, o namorado ou a namorada sabe mais, pode mais. Deve ter um altar em casa com a imagem do cônjuge no lugar de um santo.

Alguns escolhem objetos. Aquela almofada vermelha em formato de coração com bracinhos saindo de cada lado, escrito “EU TE AMO” em branco no centro. Uma caneca FOFA com uma mensagem de uma música do Karametade. Uma camiseta silkada com aquela foto mara da viagem para o Guarujá. Tem gosto para tudo.

Dentro destes todos, ora, existe o suprassumo: aqueles que gritam para o mundo o quanto amam. Olha, mas é tanto que transborda. Ali, no a dois, é pouco, é preciso expandir. Se puder ser para sempre, que seja eterno enquanto dure, ainda melhor. Nestas ondas, surgem os textões de Facebook, as tatuagens com o nome de quem ama.

E o cúmulo da breguice inescapável do amor: os carros de mensagens. Teve seu auge nos anos 90, hoje está meio parado, mais um negócio perdido por conta das mídias sociais.

Os carros de mensagem são a evolução das serenatas.

Você está em casa, sossegado, de repente, ouve seu nome na rua. Sai na janela, e lá está aquele Corsa branco adesivado inteiro de corações, bexigas decorativas presas com fita dupla face no teto, uma pessoa vestida de coração na frente, talvez com um microfone na mão. Declama com intensidade e paixão uma poesia de cartão de presente, para no final, arremate, cereja do bolo, “Juvenâncio mensagens, aqui é amor! 3035-1491”

Tem que amar muito para mandar um negócio desses. Só quem ama muito está disposto a ultrapassar as barreiras impostas de uma sociedade quadrada, que inventa conceitos ultrapassados, como noção e vergonha. O resto é “gostar muito” e olhe lá! Amor é que não é.

Nem tente escapar.

Vai por mim, é impossível.

O amor é o Odair José de sunga branca.

O amor é a Joelma de lingerie num quarto de oncinha.

O amor é um quadro do Romero Brito na sala da Narcisa Tamborindeguy.

O amor é uma música do Raça Negra durante um churrasco.

O amor é uma comemoração no Paris 6.

O amor tem o cabelo do Reginaldo Rossi, usa roupa do Amado Batista.

O amor canta arrocha vendo foto no celular.

O amor quer viagem para Dubai, grita quando vê a Estátua da Liberdade.

O amor é um desses cachorrinhos branquinhos pequenininhos e muito peludinhos, que latem estridente e comem ração especial.

O amor é food truck com cerveja artesanal.

E vem desavisado, sem nem pedir licença. Quando você se dá conta, tem porta-retrato do casal de cachecol em Campos do Jordão na estante do quarto.

Um assombro.

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