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Quando eu vim de Minas

Quando eu vim de Minas

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NASCIMENTO

Na minha primeira interação com as Minas Gerais eu era ainda moleque. Idos de 2004, nem 22 anos completos. Seguimos para Ouro Fino, no sul de Minas, Carnaval e depois Páscoa, feriadões que justificavam o trânsito. Na ida, o meu antigo Palio – que não era roxo, apesar dos desditos maldosos dos que se dizem amigos – foi se morrendo pelo caminho. Falência múltipla de órgãos. Uma luz do painel se apagou. O marcador de combustível parou de indicar quão cheio estava o tanque. Dali mais um pouco, o velocímetro se foi. Havia bastante medo de que os faróis fechassem os olhos, e aí estaríamos, quase literalmente, na roça. Já caíra a noite, não se recomenda dirigir sem iluminação apropriada. Noutra viagem, um resolve fazer um bundalelê para fora da janela do carro em plena praça de pedágio lotada. Me distraí, dei um totó no carro da frente.

Ficamos na casa da avó de um amigo, uma grande casa numa cidade pequena. Aconteceu de tudo um pouco. Brigas internas e externas; romances juvenis e quase senis; bebedeiras diárias. Acordávamos e íamos para a geladeira, de lá para a piscina. Depois de uns dois dias, havia tão somente carne e cerveja, no que éramos obrigados a dar de ombros e tentar curar ressaca com mais uma lata.

Aprontamos.

Congelamos as cuecas de um. Deus estava debaixo da cama de outro, que ao ouvir o senhor ali perto, não pôde mais dormir. Dado índio Papacu, de sunga, bandeja e gravatinha, entrou no quarto onde eu demorava a tornar mais carnal um namoro de carnaval, restrito que estava a apenas beijos, e sexo seria impossível depois de surreal cena. Um, mais manguaçado, encontrou conforto num monte de folhas juntadas e mato cortado, um colchão natural no meio da rua. No caminho para o baile de carnaval, este mesmo que ali dormia, ainda vaticinou “imagina se um cara muito bêbado tropeça e dorme aí?” Pense. Algum de nós, carente de carinho, abraçou-se e beijou-se e cafungou-se com bela menina, depois apelidada carinhosamente de tubarão-martelo.

Foram dias de muita alegria, numa época regada de irresponsabilidade e dureza, ninguém com dinheiro sobrando, vivendo a vida contando centavos e cuja preocupação era falar besteira e conseguir uma transa.

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CRESCIMENTO

Foram muitos anos até depois de pisar os pés novamente em Minas. Pousei em Confins, rumaria para Belo Horizonte a trabalho. Uma noite, somente, na bela capital mineira. Na saída para pegar a estrada que nos conduziria à cidade, numa placa lia-se “GALO”. Senti-me em casa.

Trabalhei muito, pouco vi e fiz. Cheguei, eu era o Galo na cidade do Galo, no tempo de uma reunião. Quando nos fechamos para o trabalho, é tudo meu mundo e nada mais. Na fase do crescimento profissional, encontra-se e faz-se espaço e tempo apenas para relações que possam engordar contas bancárias.

“GALO”

Estava ali, na minha cara, e eu negligenciando, acostumado por forçar-me a tornar-me cego. Não via, tampouco sentia. Era um zumbi querendo o sangue alheio para sobreviver um tanto, sem saber que o sangue drenado era o meu.

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MATURIDADE

Voltei com outra vida, outra história, outro momento, às Minas Gerais. No trajeto, paradas em Ouro Preto e Belo Horizonte.

As ladeiras de Ouro Preto me causaram um efeito devastador. Para o bem, entendam. A afeição com a cidade e sua história foi instantânea. Não estamos acostumados a viver a história, apenas a ouvir falar por alto, sem muita alteração, passar de ano é o que importa. Quando você olha para o abismo, o abismo olha para você. Talvez este seja o sentimento de quem evita a história: que ela ressurja para cortar-lhe as pernas.

O casario, as artes em pedra-sabão, o grito de resistência da escravidão, a inconfidência e uma das passagens mais importantes de nossa recente – e talvez ainda inexistente – nação.

Em BH, fui levado ao Bar Museu Clube da Esquina. No violão e na voz, Rodrigo Borges, sobrinho de Lô, acompanhado por Ian Guedes, filho de Beto, na guitarra. E aí, é de se imaginar que foi a amizade nova de amigos agregados, aquela música, a sorte de conseguir a melhor mesa mesmo sem reserva – muito obrigado a quem quer que tenha desistido de ir –, o público que se levantou e dançou e cantou, a lembrança de meu pai ouvindo Milton Nascimento numa manhã de um fim-de-semana qualquer, de minha mãe e sua adoração por “Txai”, álbum ícone do maior crooner brasileiro, das várias cervejas que libertaram suscetibilidade.

Tudo junto.

E me emocionei: chorei.

Virei-me para o lado humano das Minas Gerais e tomei um tapa na cara: até que enfim!

Aprendi que de prosa o mineiro entende e dá aula. Ofereci um dedo de prosa a um mineiro e, quando me dei conta, já tinha me levado o braço todo.

Foram muitas os contos, os causos, as vidas, os afagos.

A terra onde mora o diminutivo: um negocin, um cafezin. Ói. Trem bão demais. Onde as palavras são comidas com torresmo e frango ao molho pardo. Pondôni: decifra-me ou espere o próximo.

Como não gostar de um lugar assim?

Na volta para a metrópole cuspidora de fumaça, o alívio de ter conseguido voltar. Ao que se sucede um incômodo, por que voltar, afinal?

Lembro-me da placa a gritar: “GALO”.

Na próxima vez em Belzonte, quero poder ir a um jogo do Atlético no Horto e quando a horda gritar ensandecida “Gaaaaaaaaaalooooooooooo”, eu levanto, mãos erguidas em saudação, “Obrigado! Obrigado!”

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