Você, funcionário aplicado, se inscreve num treinamento que acredita fazer-lhe um profissional melhor. Procura que estes treinamentos sejam, quem sabe, fora do horário de trabalho, para não atrapalhar sua produtividade. Sabe como é, “farinha pouca, meu pirão primeiro”, e aos que produzem menos, a porta da rua é o único caminho da casa.
Pense na sua profissão e de que maneira você pode se tornar um ás no seu campo de atuação. Quais os treinamentos disponíveis?
Trago aqui uma das maiores fábulas da autoajuda: trabalhe com o que você gosta e nunca terá que trabalhar de novo.
Eis que, numa tarde segunda-feira, numa andança por aí, paro no Caixa Belas Artes para assistir ao “Comeback”, último filme de Nelson Xavier, que faleceu antes do lançamento em circuito. O filme? Fraquinho, fraquinho.
O ato me fez recordar de uma outra segunda, está há mais anos, parei numa mesma segunda, mas de verão, com muito mais calor, para me deliciar na prosa deliciosa de Woody Allen no seu “Magia ao luar”. Saí leve e feliz do cinema, para voltar para uma reunião do mundo da consultoria que aconteceria dali a mais uma hora.
Já foram inúmeras, nos últimos meses, as tardes numa Livraria Cultura a ler um livro, vendo o tempo passar, e embarcando nos saveiros de Rodrigues, Lispector, Amado, Buarque, Nassar, Mãe, Prata, Veríssimo, Ubaldo Ribeiro e muitos tantos, entre um café, uma pausa e o dedilhar das folhas.
Leitura com tato é mais pura.
O cheiro de um livro novo me entorpece, o que ajuda no transe. Pego carona, deixo a vida me levar, e sou levado para lugares e gentes que saltam aos olhos.
Paro numa frase. Numa construção. Numa descrição. Num comentário sarcástico e como ele tem uma leveza que não altera o tom do texto.
Não raramente, me surpreendo.
O Benjamin Button de Fitzgerald é melhor no filme que no conto. O Gastby, não. O mundo da infância de Prata em “Nu, de Botas” me transportam à altura da visão do meu filho. Ler “A casa dos budas ditosos” nesta altura é alegria que tenho obrigação de me conceder. Além de tudo, o bigodudo baiano era Vitória: muita qualidade para uma pessoa só.
Vez ou outra, saio munido de nada apenas binóculos naturais para ver o passar de quem possui seus afazeres e suas urgências. A reação aqui, o papo ali, o caminhar da pressa, o da preguiça, o da observação.
Sinto-me um narrador-observador-onisciente do alheio.
Tento entrar em acordo comigo. Trago para a ponta da língua a frase falaciosa do mundo da autoajuda: não parece ser trabalho. Para amenizar um renitente, mas cada vez menor, sentimento de culpa, saco do coldre a culhuda-mestre. Se me perguntam o que faço em grande parte do meu tempo, respondo:
“Estou em treinamento.”
Resolva-se na sua concepção, porque na minha, essa prerrogativa tem funcionado, e além de parecer verdade, tem assim se tornado.
Ah!, o autoengano… Quem seríamos sem esta poderosa ferramenta?
Dentre em breve, em mais alguns poucos minutos, regresso aos meus alfarrábios e treinamentos. Ainda hoje, segure a pauta: “O auto da compadecida”, de Ariano Suassuna.
Se eu amo o que eu faço? Muito.
O que gostaria de melhorar nele? Ganhar dinheiro. Uma hora estes treinamentos todos têm que se materializar. Ou não.
Garçom, mais dois, que a vida continua!
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