Sou um cara alto. Bem alto, mais de 2 metros de altura. O mundo não é feito para pessoas extremos das curvas de altura, em especial na parte de cima. Roupas e sapatos? Pfffff. Assentos de avião? Se já apertados para verticalmente desprovidos, imagine para mim. A toada segue para qualquer coisa que você puder imaginar. Espelhos no banheiro, por exemplo, são uma constante: decidiram que é proibido eu visualizar o meu rosto. O teto de qualquer transporte, incluindo bancos de trás de veículo de qualquer porte seriam confortáveis se eu existisse até os meus ombros. Mas nem se eu fosse um homem sem cabeça seria suficiente. As pernas não cabem embaixo de meses e seus suportes matreiros centrais. Perdi a conta de quantas vezes na vida ralei minhas canelas e topei meus joelhos nestas tralhas. Atividades mundanas são um atendado às minhas costas. Varrer a casa me deixa parecendo o corcunda de Notre Dame. Muitos já foram os choques por encostar a cabeça em chuveiros elétricos. Quando lavo a louça, sinto-me na beira de um precipício com uma pequena queda d’água, pia lá embaixo, quase não se pode tocá-la.
Um objeto, no entanto, tornou-se epicentro da minha saga: uma CADEIRA. São de vários tipos, feitas, em sua larga maioria, para me causar sofrimento.
Tem aquelas com encosto em 90 graus. Já fui embora de restaurante com cadeira assim. É possível sentir suaas mãos me empurrando para fora. “Sai daqui,miserável”, e sou obrigado a obedecer, que não sou besta. Você já se senta inclinado para frente, pronto para sair. Posição de alerta.
Tem aquelas com assento muito curto, sem muito espaço para repousar minhas coxas. É quase como sentar no selim de uma bicicleta. A dor no lugar é tamanha, eu viro de lado para ver se melhora.
Tem aquelas que são tão baixas, mas tão baixas, que causam a sensação de estar sentado num vaso sanitário. O efeito do costume é tão grande que, quando surgem dessas pela frente, institivamente já pego o celular para responder mensagens. São tão baixas que alguém tem que estender a mão para ajudar a levantar. Sobre isso, certa vez estava procurando cadeiras para a sala de jantar de minha antiga casa. Fomos a uma loja na Rua Teodoro Sampaio, aqui em São Paulo. Experimentei uma, muito baixa. Perguntei se tinham cadeiras mais altas. A vendedora – não sei em qual realidade paralela ela entendeu que essa seria uma boa abordagem de vendas – falou que não, que aquela era “tendência do mercado.” Pronto, o mercado se uniu para me perseguir.
Tem as que não aguentam muito peso. Basta sentar para que haja peso suficiente para abrir pernas, para ouvir-se o ranger de estrutura sendo abalada. Isso acontece em especial com as cadeiras de plástico e com aquelas de metal que se dobram ao meio. Não é uma queda, é uma gradual descida, quando tudo parece existir em câmera lenta.
Mas as piores são as de escritório. Porque as de escritório unem tudo o que há de pior numa única peça, com direito a contato prolongado. Não é trabalho, é tortura. O encosto não encaixa as costas, o assento não segura a altura por causa do peso – um sobe-e-desce sanfonado com direito a alguns palavrões no processo – sem espaço para pernas, e ainda vem como brinde as tais mesas com divisórias, garantindo a súplica eterna. Ir embora depois um dia de trabalho numa dessas faz eu me sentir que tomei uma surra com direito a humilhação moral. Uma vergonha.
É dessas que há no cliente onde iniciei projeto nesta semana.
Fui sorteado.
Sinceramente, elas devem se reunir à noite e combinarem que, se me virem, a que estiver mais desquebrada fica comigo. Só pode.
Na chegada fui recebido por uma cadeira que unia todos estes atributos.
Flácida, tosca, desconfortável. Eu via o sorriso sádico de todas as outras em volta, apontando seus dedinhos em minha direção. A lamentação escorria da testa. O encosto estava solto. Apoiar ali seria ficar quase deitado. Os braços da cadeira não se seguravam direito. Chegasse eu perto, eles desviavam. Olé! A torcida vai à loucura. Tento ajustar a altura do assento, não funciona. Na mesa, o suporte central não permite eu esticar as pernas. E para completar o contexto da tragédia, um vizinho de frente que passa o dia a chutar o meu pé, “sem querer.” Nas primeiras 6 horas acreditei que era, agora tenho dúvidas.
Pois foi então que aconteceu.
Estava eu ali rodando uma análise dentro de uma base de dados gigantesca que travou o processamento do computador. Foi um segundo. Enquanto esperava liberar o computador para continuar o trabalho, relaxei. Há muita culpa no relaxamento. Ouvia uma música com fones de ouvido. Apoiei as costas no encosto demente, quase deitado fiquei. Em contemplação, botei as mãos atrás da nuca. E de uma vez, no meio de todo um andar, fui ao chão. Mas não sem espafalhato. Minhas pernas bateram na parte de baixo da mesa, causando grande barulho e pequenos machucados nas duas canelas. Fiquei ali estirado, pernas esticadas para cima tal qual Maguila a Holyfield, costas no chão, gargalhadas de todos, pessoas e cadeiras.
Como agir nessa hora?
Fiz o que todo ser digno faria: pus-me de pé quase num golpe de capoeira e fingi que nada aconteceu.
Eu era, ainda assim e por óbvio, a cara da vergonha, do desmantelo, da desonra.
Agora, além de me tirar o conforto, estão a me tirar a dignidade.
Cadeira filha da puta.
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