Dizem que a relação entre pai e filha é mais especial. Quem diz isso tem grande chance de ser pai de menina. A grama do vizinho nunca é mais verde com relação a filhos, maravilhosa exceção à regra da cobiça. Como pai, direi, enfaticamente, que a minha relação com meus filhos é mais especial e pronto, porque, afinal, estamos diretamente envolvidos. Você vai argumentar e dizer “não, não, não, a minha é mais!”, e não poderei discordar, cada qual com seu lote.
Deve ser coisa da idade – minha filha cruza a passos largos rumo aos quatro anos – e da distância. Ou do fato de eu ser lindo mesmo, vai saber, tem gosto pra tudo.
Sacaneávamo-nos todos os adultos mutuamente o tempo inteiro na grande farra que foi a viagem de Ano Novo. Era coisa incessante, repertório variado e repetitivo. A todo instante, qualquer circunstância era motivo para piadas. Se ninguém pisava para fora do quadrado, a gente inventava mesmo e pronto. Ou então relembrávamos casos antigos que emergiam ao sabor da nossa necessidade de gargalhadas. Quem não entende que pirraça é grande demonstração de afeto ou é ruim da cabeça ou é doente do pé. Até porque pirraçar quem não gostamos atende pelo nome de humilhação.
Nestas idas e vindas de provocações, um amigo vira para o meu filho e fala “seu pai é feio”, meio que cantando uma música improvisada. Ele não dá muita bola. Do meu lado estava minha filha, que arregalou seus grandes pequenos olhos, surpresa, assustada, indignada. Quando silêncio se fez, ela se vira para mim, mãozinhas nas minhas bochechas, falando baixinho, um segredo só nosso: “Papi, eres lindo.” A gente se abraça, ela me dá um beijo na bochecha, segue a brincar com algo novo.
Assim eu era, na cabecinha dela de menina que precisa confortar o ofendido pai chamado de feio, lindo.
Falam pra gente não se importar para a opinião dos outros, o que é verdade, porém parcialmente. O que se fazer com o que sai daquele pingo de gente cheio de certeza e carinho, senão acatar, aceitar e ouvir atentamente? Ah, eu me importo demais.
Bato no peito inflado orgulhoso, confiante, altivo, nobre talvez: Soy lindo, por supuesto! Como no?
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