O hiato entre o longínquo ano de 1969 e o traumático ano de 2006 representou o purgatório para o futebol do interior da Bahia. Bahia e Vitória se revezavam no erguer da taça, reservando aos intrusos um contentar-se compulsório com o vice. Assim seguiu-se até o Colo-Colo de Ednei e Gil calar o Barradão.
O longo período de tempo poderia significar uma retomada do futebol do interior no protagonismo estadual, mas, hoje, nem se ouve mais falar do campeão ilheense. Relativize-se, também, o momento. Tanto Bahia quanto Vitória frequentavam as catacumbas do ludopédio nacional, não precisava muito para fazê-los sucumbir.
Cinco anos se passaram e o mesmo rubro-negro baiano foi surpreendido em seu estádio pelo Bahia de Feira de João Neto e Arnaldo Lira. O silêncio era ensurdecedor, quebrado pela festa dos feirenses dentro do Barradão. Desta vez não tinha mais nem Série C, veja bem. Estaria o interior, enfim, na briga, em pé de igualdade.
Nos uniformes carregados de patrocínios desconhecidos, vimos brilhar Bida saindo do Ipitanga, Daniel Alves levando o Juazeiro a uma final de Baiano, Bobô encantando a Bahia – e depois o Brasil – vestindo o amarelo e preto da Catuense, Sapatão comandando a zaga dura e intransponível do Flu de Feira campeão.
Nestes últimos anos, no entanto, o futebol das canchas de gramado irregular vem crescendo de formadora de atletas para abastecer os grandes da capital e se assanha querendo mais. Quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza. Neste 2018, o futebol do interior pode orgulhar-se de se fazer redivivo.
A Juazeirense fincou marco fundamental em sua história ao subir de série. Garante, com merecimento, o calendário cheio durante o ano, mais planejamento, mais dinheiro. Como consequência, neste início de Campeonato Baiano acompanha cabeça a cabeça a liderança do certame. O pleonásmico Vitória da Conquista, que já esteve quase lá, é eliminado pelo segundo ano consecutivo sem perder na Copa do Brasil. Invicto, ora, como não? Um antes, em 2016, tratou de despachar o glorioso Náutico do Capibaribe.
Coube a mais um pernambucano a façanha de honrar o manto branco, verde e grená do Touro do Sertão. Se já se via maior quando trouxe Jorge Wagner de volta para Feira de Santana, no ano passado, o Flu quer mais. Com contundência e sem piedade, jantou o Santa Cruz, tradicionalíssimo encarnado branco e preto que, até recentemente, conquistava o Nordeste e lutava na primeira divisão.
O interior forte é o resgate das tradições do estadual de antanho. Queremos a Catuta de volta, o Colo-Colo, o Ypiranga, o Galícia, o Leônico, que mesmo da capital estão mais para lá do que pra cá. Queremos novos Bobôs e suas elegâncias sutis bailando nas canteras em estádios que nem refletor possuem. Queremos a recuperação do sonho de menino, do estadual que pode ser a redenção de uma vida, o passaporte para algo maior.
Estamos vendo o maior se materializando. Segura as pontas, tradição. Não se trata mais de fagulha. Pontas de agulhas é um contra-ataque letal. É fogueira que arde e que esquenta a vida inteira. Viva à festa do interior!
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Artigo publicado em 05 de fevereiro de 2018 no site do Correio da Bahia. Link aqui.
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Crédito da foto: JUAZEIRENSE / DIVULGAÇÃO
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