Ao final da primeira perna das quartas de final da Liga dos Campeões da Europa, parecia tudo estar decidido. O Real Madri havia surpreendido a Juventus em Turim por 3 a 0. O Bayern de Munique venceu o Sevilla na Espanha por 2 a 1. O Barcelona fez valer seu mando de campo contra a Roma por 4 a 1 e o decepcionante Manchester City perdia de 3 a 0 para o Liverpool em Anfield. O que parecia estar certo, no entanto, tornou-se um show de improbabilidades e futebol na sua melhor essência.
Dizia Fiori Gigliotti, ícone da narração esportiva do rádio e da TV, “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!” Pois que espetáculo é o futebol!
A Cidade Eterna abriu seus portões para que a torcida da Roma protagonizasse um ambiente da mais alta confiança. A energia da Estádio Olímpico contagiou o time italiano e esmoreceu a poderosíssima equipe do Barcelona. De um lado, força e determinação. Do outro, erros, sustos e medo. A vantagem, no entanto, era considerável.
Quando a Roma fez 1 a 0 no começo do jogo, a esperança cresceu. Quando Piqué derrubou Dzeko para De Rossi converter o pênalti aos 23 do segundo tempo, era tudo ou nada. Sì, possiamo! Pressão total na regência da ensandecida torcida romana. Com o coração dividido entre a boca e a ponta da chuteira, era ataque contra a defesa de uma equipe espanhola que se acostumou a sempre pressionar. Haveria de falhar! E falhou, pela precisa cabeçada do zagueiro Manolas. O impossível se fez. Trinta e quatro anos depois, a Roma estava novamente nas semifinais da Liga dos Campeões. Na última visita a esta fase, alcançou a final com Falcão e Cerezo, perdendo nos pênaltis para o Liverpool.
E foi justamente o time inglês o segundo classificado do dia. Contra o rico Manchester de Pep Guardiola, o egípcio Salah e o brasileiro Firmino comandaram a virada no Etihad Stadium. Dispostos a reverter caro a classificação quase certa, os azuis do City saíram na frente com Gabriel Jesus. Pressionaram com ímpeto e um pouco de azar. Sucessão de chutes para fora, bolas na trave e um novo gol… Mal anulado. O possível 2 a 0 na virada para o segundo tempo transformou-se num 1 a 0 desestabilizado, especialmente depois que Guardiola perdeu a cabeça com o juiz e foi expulso. Sem o comandante, o Liverpool deitou e rolou. Salah, de cavadinha, empatou com a classe que vem exibindo por toda temporada, para Firmino dar números finais à partida. No fim, o aclamado Manchester City seria aquele mais facilmente batido desta fase.
Em Munique, o todo-poderoso Bayern recebia o Sevilla sem muita preocupação. O jogo passava, mas nada de o Bayern fazer-se senhor do jogo. O Sevilla resistia, levava perigo. O zero a zero aumentava a tensão na Allianz Arena. Aquele que foi considerado por muitos o duelo mais fácil reservava sua dose de emoção! A equipe andaluz pressionou o gigante alemão em suas cordas, que, acuado, viu sua trave salvar a abertura do placar quando talvez já fosse tarde demais. Bayern alcançou a semifinal com arranhões.
Simultaneamente, em Madri, o Santiago Bernabéu era pura festa. Pairava, contudo, o ar do mau agouro do Barcelona no dia anterior. Seria possível? No segundo duelo entre espanhóis e italianos, o caminho da Velha Senhora era a lateral-esquerda de Marcelo. Logo aos 2 minutos, abriu o placar. Avanti, Juve! O jogo era tremendamente bem jogado. Lá e cá. Uma estocada perigosa italiana era respondida por um gol mal anulado do Madri. Até que aos 37, outra vez pela esquerda, outra vez Mandzukic testou para os fundos da rede de Navas. Sí, possiamo anche noi!
No intervalo, dúvidas pairavam no ar. Que Juve foi essa? E onde estava Cristiano Ronaldo?
Aos 15 minutos, o inacreditável. Para calar os mais de 90 mil madrilenhos, Matuidi aproveitou falha terrível de Navas para fazer o 3 a 0 que levaria o jogo ao tempo extra. A turma do amendoim já xingava Zidane, exigia a saída do trêmulo goleiro costarriquenho. O Real pressionava estabanado. A Juve se retraiu, confiando a glória nas mãos de Buffon nos pênaltis. Até que faltando 10 segundos, “no crepúsculo do jogo!” grita Gigliotti, quando tudo dava o Madri como perdido, o árbitro apita pênalti para o blancos. Desespero italiano! Buffon e mais todos de amarelo partem para cima do árbitro, que expulsa o arqueiro mitológico. Estaria nos pés de Cristiano Ronaldo – quem mais? – a redenção madrilenha e a apunhalada desmerecida dos heróis de Turim. Que veio num torpedo certeiro de Ronaldo, indefensável, que saiu do esconderijo de um péssimo jogo para classificar o Madri a mais uma semifinal.
Quem pôde assistir aos jogos das quartas-de-final desta Liga dos Campeões teve uma sequência de aulas de futebol. De renovação do maravilhamento pela arte do ludopédio. Com direito a drama – “aguenta, coração!”, berra Fiori –, a belíssimos gols, a viradas improváveis. A defesas bem armadas, a falhas decisivas, a polêmicas com a arbitragem. A ataques fulminantes e a artilheiros infalíveis. A torcidas apaixonadas que acreditam até o fim. A um tratamento da bola que, quando vemos daqui, parece ser coisa de outro mundo. Parece, até, outro esporte.
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Esta crônica foi publicada também no Correio. Link aqui!
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Crédito da foto: ETTORE FERRARI/EPA-EFE/REX/Shutt
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