Na última terça, dia 24 de abril, Mohamed Salah, descendente DIRETO da linhagem de Cleópatra com Marco Antônio, eu-falei-faraó, divindade do Egito, num duelo de representantes modernos de civilizações da antiguidade, estraçalhou, ESBAGAÇOU!, os italianos, ainda que estes tenham escapado com dois golzinhos no fim que alimentam a esperança. Confirmando a lei do ex – que não é aquela de mandar uma mensagem bêbado querendo um amorzinho gostoso – sapecou logo dois gols e entregou de bandeja duas assistências contra seu antiga equipe. Saiu de campo quando de zero ganhava e deve ter comediado o Klopp no vestiário, “foi me tirar do jogo, tome essa pra você aprender.”
Na profusão revista e ampliada de memes pela internet, injustos dizem que o dito cujo se trata de uma mistura de Fred, o centroavante brasileiro, e Murilo Couto. Isto não pode estar mais longe da verdade! Ao primeiro, não conseguiria acompanhar sem cair numa rodada de caipisaquê em Ipanema; do segundo, não tem o humor. Aliás, em matéria de graça, Salah sabe apenas de deixar os adversários sem. Salah? Ali.
A audiência catapultada pela transmissão ao vivo e em definitivo na tela do plim-plim, provocou cenas inusitadas. Depois de Salah destilar arremates milimétricos, passes precisos e fazer renascer a mistura do Brasil com o Egito no ataque do Liverpool, fãs juram ter visto Beto Jamaica e Cumpádi Uóston (é assim que escreve, caso você não saiba) chorando, abraçados, por causa da homenagem:
– Honraram nossa música!
– Tem que ter charme pra jogar bonito!
– Salah é o TCHAN da bola!
– Txugudugudu pá!
– Que abundância, meu irmão!
– Coé, véi? Tá me estranhando?
– Abundância de futebol… Catiguria!
– Oxe, abundância não é isso aí, não. Sabe de nada! Deixa eu te explicar. SHEILA! VEM CÁ.
Como reflexo de uma grande temporada, em todo o mundo circula campanha para que o egípcio seja um dos três indicados à Bola de Ouro neste 2018. É favorito também à Chuteira de Ouro. Com o que não apenas concordo, como afirmo categoricamente que nunca haveria destino tão significativo aos troféus. Afinal, é tanto ouro – em bola ou em barras que valem mais do que dinheiro – que os faraós-como-ele criaram as pirâmides para ali conhecerem a vida eterna. Morada muito melhor que prateleiras de salinhas-escritório-tipo-dentist-modern-art na casa de outrem. Haja predestinação!
Concomitantemente ao desempenho exuberante do moço da Garbia, o que dizer da alegria deste trio ofensivo dos Reds? Firmino, Salah e Mané. Não, não estou falando das jogadas ensaiadas, das tabelas, das enfiadas (lá ele), dos números. (Este campo onde grama não nasce é exclusividade de analistas e estatísticos – esta raça de gente ruim que não gargalha, bebe brandy e toma cafezinho com o mindinho levantado. É território de pressing, de composição, de terço final – aleluia, irmão! – e de tantos outros termos que a gente precisa de um doutorado só para terminar a primeira matéria de nomenclatura dos novos tempos.) Vou mais no lúdico, porque, se não for fútil-bol não há ter nem porquê.
Ah!, que sonoridade: Firmino, Salah e Mané… Me fez lembrar de uma grande passagem de antanho.
Direto do túnel do tempo, num baba perto de você, lá por volta dos anos 60, jogaram estes três. Firmino, voluntarioso avançado, mecânico que vivia sujo de graxa e que fazia bicos de faz-tudo para o que precisassem, era o artilheiro. Mané, meio penso pro-lado-de-lá, sonso, abusava da cara de bobo para entortar os lentos oponentes. Salah, o libanês dono da venda, adorava posar de craque no meio-campo – dizia se inspirar em Ademir da Guia, “é tanta terra nesse mundo que melhor é apelar pro Divino!”. Sempre sem camisa, suava aos cântaros em seu peitoral cabeludo em excesso, o que provocava nojo em quem o marcasse.
Em conjunto, os três improváveis craques jogavam o fino. Com seus diminutos shorts de fazerem corar as mais desinibidas dançarinas de agora, corriam de lá a não-tão-lá, porque o cá da defesa era coisa de quem não sabia do riscado. Tabelavam, de pé em pé, leveza dos movimentos contrastando com os pesados corpos de não-atletas. Para que, por fim, num cruzamento rasteiro de Mané, Firmino marcasse e, na corrida da comemoração, filasse um cigarro. Ou para que num arremate de fora da área, Salah lembrasse Rivellino – especialmente aquele dos campeonatos de Masters da Band na década de 90.
Conta-se na quebrada à direita que atravessa a viela que leva ao campinho que, além de os três terem se aposentado invictos, certa feita Chico Buarque, o próprio, de passagem por ali, vestido de Politeama foi relegado ao banco de suplentes por ser novato na trupe. De lá assistiu ao baile do trio e escreveu na pedra a letra que se eternizou na música “O Futebol”:
“Para Mané, para Salah, para Mané. Mané, para Salah, para Mané, para Firmino, para Salah, para Mané… Gol do Firmino.”
(Incautos amantes dos tão-incautos-quanto analistas e estatísticos – afins pois, dentre outras similaridades, não tomam sorvete no inverno porque acreditam que dá dor de garganta e transam de meia – dirão que a letra da canção não é levada exatamente assim. Mas, quá! Não me venham com chorumelas. Se vierem com impropérios, já incorporo o Pedro Pedreira e peço que mostrem o manuscrito original com declaração registrada em cartório do autor afirmando PEREMPTORIAMENTE que estes versos citados acima, tais quais aí estão, não são a primeira versão da música aprovada pela gravadora. Tem? Duvido.)
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Para fechar esta prosa mais cheia de curvas que a Scarlett Johansson, mais sem sentido que um discurso de Dilma Rousseff e mais cheia de referências que Stranger Things, do bolso saco meu biscoito da sorte do dia. Anote aí! Além dos 6 números para apostar na Mega Sena, o lado B do papel relembra Bill Shankly, ex-técnico deste Liverpool brioso, que largou o verbo num porre homérico e EPIFÂNICO na beira do cais do porto, proferindo a verdade que todos viam, mas não enxergavam:
O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso.
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