Começou quando, do nada, assim, num estalar de dedos, tinha um dia inteiro sem jogo. É golpe! Daí, quando parecia estar tudo bem, de novo. Ah, não! Mas é muito golpe! Depois veio a sacanagem maior: dois dias inteiros sem bola rolando! Não é mais golpe. É o cúmulo da xibiatagem coletiva! Logo na sequência, pá-pum!, veio mais uma vez os dois dias vazios. Chorei.
Chorei um choro sentido, doído. Daqueles que soluçar, de dilacerar o peito, de querer largar tudo. De que vale a vida sem Copa do Mundo? Adeus, mundo cruel! Vou-me embora pra Passárgada, com passagem só de ida.
A questão que corrói a alma é que era sabido, que tinha data para apagar. E o fim era ontem, o tal do quinze de julho de dois mil e dezoito. Não é que não soubéssemos, portanto. É que não queríamos mesmo. Mas a gente é bicho besta, que confia na esperança das causas impossíveis. Valhei-me, meu Santo Expedito, prorroga a danada da Copa até pra sempre, na moral!
Como sói ocorrer quando o coração supera a razão, tal qual a Croácia numa final de Copa do Mundo, a gente desaba ao encontro da realidade. Não adianta lutar contra. Acabou, bicho. Acabou! Aceita, cara! Aceita que dói menos!
Assim, nesta segunda-feira – ainda por cima numa segunda! Por que tão sádica, ó, vida? – saímos às ruas um exército de zumbis carregando nos olhos a tristeza e a desolação. Fossem os de gravata, donos da caneta-que-tudo-pode, preocupados com a saúde de nós, seres humanos pretensamente racionais, a Copa acabaria era numa quinta-feira. Dia seguinte, SEXTOU!, fim-de-semana começando. Veja bem como a gente passaria com mais tranquilidade! E ainda garante a resenha sem tratar de produtividade. Só vi benefícios. Taí, FIFA, a proposta que alterará este estado nefasto da multidão de ombros caídos e de costas curvadas. Se não de maneira definitiva, pelo menos reduzida ao mínimo. Palavras da salvação.
A construção que nos afeta a saúde tem nome e sobrenome, causa e consequência. Há de ser reconhecida pela Medicina como epidemia que assola a humanidade de quatro em quatro anos. Doença severa, de difícil tratamento. É fato irrefutável, verdade absoluta!, a Depressão Pós-Copa.
A condição é agravada por uma série de fatores. Sejam eles sociais ou econômicos – ó, vida!, você de novo a nos sabotar! – ou principalmente, futebolísticos. Porque sem nem meio-termo ou meio do caminho, vem o Brasileirão por aí. O nível, meu povo, cai de paraquedas que não abre. E eu tenho medo de altura.
Que poderemos dizer, então, nós baianos, coitados, sofridos, lascados, que trocaremos as batalhas de nações por meias-bombas num escárnio contra o rebaixamento? Garçom, traz um galão de água senão eu desidrato de tanta lágrima que sai de mim.
Mas um dia, eventualmente, a dor passa. Sim, o único remédio para a Depressão Pós-Copa é o tempo, aplicado a conta-gotas. Nos adaptamos, nos reacostumamos. Lá no longe, esqueceremos do conforto da ilha da fantasia criada em campos russos neste verão europeu nestes gloriosos 31 dias que se encerraram há pouco.
Ah, mas era tão bom! Como era!
E secretamente contaremos os dias para sermos contaminados uma vez mais. E nem adianta vir com vacina, que eu não quero imunidade pro espetáculo. Garçom, mais uma dose! Mas desce daqui a quatro anos, faz favor, que preciso desintoxicar. Enquanto isso, traz a conta. E um lenço.
* Gabriel Galo é escritor.
Crônica publicada na página 2 do jornal impresso e no site do Correio da Bahia em 16 de julho de 2018. Link AQUI!