(Por Paulo Galo Toscano de Britto, meu pai)
Incutido é bicho que sofre, diria um velho amigo, nascido em Uauá, sertão da Bahia.
Passei os últimos dias tentando encontrar uma pista, uma raizinha etimológica que fosse para explicar-me a origem histórica da expressão baianíssima “bater um baba”, que equivale a jogar bola.
Liguei pra alguns amigos, o Paulo Leandro inclusive, e nada, um mistério.
Aí surgiu uma pista, de um paraibano aperfeiçoado na Bahia, Eduardo Braz, que atracado a um valente caranguejo, ontem à tardinha, afirmou que isso tinha a ver com a “baba” que produziam as antigas bolas de couro, quando molhadas. Menino danado, esse Dudu.
Cheguei em casa e ordenei a busca aos robôs do Google, que me trouxeram, por exemplo, a entrevista de um antigo goleiro do Atlético Paranaense, o Altevir, em que ele falava das bolas de couro de seu tempo, que ficavam lisas (gosmentas mesmo, parecendo baba de quiabo) e pesadas com a chuva que elas absorviam. Bingo, a primeira parte do mistério caíra por terra.
Restava, porém, entender o porquê dessa solução linguística para designar uma simples brincadeira esportiva, essencialmente informal. Essa parte foi menos espinhosa, mas certamente mais divertida.
Na terra onde a dissimulação revestiu-se como estratégia necessária de sobrevivência, os baianos desenvolveram fórmulas incríveis, também do ponto de vista linguístico, para afirmar coisas com sentido diverso do aparente. A capoeira – com seus golpes tramados na manha, na dissimulação – e o “sincretismo” católico-iorubá, são dois dos muitos exemplos do que se valeu a cultura negra para resistir ao massacre de que foi vítima.
Enquanto os cariocas e paulistas chamavam os amigos, em priscas eras, para “bater uma pelada”, os baianos juntavam a turma para “bater um baba”. Ou seja, enquanto a expressão sudestina alude a um atributo da bola (“pelada”), a versão baiana trata de um atributo do atributo (a “gosma” da “pelada”). Nada de ir direto ao ponto, pois.
Esse é um dos traços que fazem dos baianos, ainda hoje, a mais perfeita expressão do olhar oblíquo, insuspeitado e absurdamente criativo dos brasileiros. Formado de capas e mais capas, desafia a obviedade e ri da objetividade.
Compreender os baianos, notadamente os do recôncavo, é buscar os reflexos, os signos disfarçados, a coisa dentro da coisa, o sentido real nas roupas do visível.
Aqui se bate um baba porque jogar futebol até europeu sabe fazer.
Esta crônica maravilhosa sobre bater um baba foi escrita por meu pai há 6 anos, em 6 de janeiro de 2013, lá no Facebook dele. Ele já não está mais entre nós, mas aos poucos vou resgatando alguns dos seus escritos, muitos deles já disponíveis aqui mesmo no Papo de Galo.
Esta foto deliciosa, poesia pura, é de Daniel Fonseca. Daniel, apesar de alguns poréns estranhos, como o fato de se afeiçoar com aquela agremiação tricolorida de Itinga e de sumir para aumentar o preço da saudade, é gente da melhor qualidade. E, na glória do clique perfeito, honra o ditado: “à bola quem é de bola, à foto quem é de foto.”
Muito bom saber a origem do significado do nome Baba! Parabéns ao Sr. Paulo Galo (que Deus o tenha) pela excelente pesquisa e explanação. Gabriel, seu pai era torcedor de qual time?
Adriano, meu pai era torcedor do Vitória, e fez questão de transmitir essa sina para mim.
Parabéns a você e ao seu saudoso pai !!!
Como sou curioso pela etimologia e pela história, já fiz também algumas pesquisas a respeito da nossa expressão “baba”. Há várias versões(baba=pai em iorubá; baba =babar; babá = cuidados aos filhos da elite que foram os primeiros a praticar esse esporte etc…) porém ,a versão dita pelo seu pai é a mais coerente estudada no momento.
Falo em nome do meu marido Roberto Pessoa (historiador baiano).
Oi, Flávia e Roberto!
Ainda tem uma questão que me deixou encafifado. Por ser baba, haveria de ser algo recorrente jogar com a bola molhada. O que, em tese (somente podemos conjecturar), confirmaria a origem do baba às marés vazantes e a inevitabilidade de se molhar a bola.
Obrigado pelo comentário! Voltem sempre!