Desde a estreia, jogo tradicionalmente lotado envolvendo o time da casa, viu-se que as arquibancadas dos estádios da Copa América estariam mais vazias que cheias. De cara, na transmissão da TV sobravam comentários de como o público presente ao Morumbi estava abaixo do previsto, tanto em quantidade quanto em volume.
A tendência seguiu nos jogos de todo o fim-de-semana. O auge da solidão estéril se viu num Maracanã às moscas para uma partida de realmente poucos atrativos, como acabou por não ser Paraguai e Catar. Nem mesmo o duelo entre a Argentina de Messi e a Colômbia de James Rodriguez mereceu lotação na Arena Fonte Nova.
A culpa? Na real, a política de preços dos ingressos adotada pela Conmebol para esta Copa América.
Mas a dissonância cognitiva, aliada a uma covardia de admitir os próprios fracassos, fez com que o presidente da Conmebol, o paraguaio Alejandro Dominguez, afirmasse em coletiva as desculpas esfarrapadas para o encalhe de bilhetes. “Conhecemos a cultura da América do Sul, que gosta de comprar as coisas no último momento. Somos conscientes da situação.”
Este é, pois, mais um episódio de dirigentes que forçam uma elitização tosca comemorando ao som de caixas registradoras os recordes de borderôs inflados. Só que ao ignorar as mais simplórias regras da microeconomia, chutam para escanteio uma oportunidade histórica de reaproximar o povo do evento e esvazia de alma os cantos da arquibancada frígida.
Compreenda-se que qualquer primeira fase de qualquer evento futebolístico terá, por óbvio, jogos menos atrativos. Um Uruguai x Chile será confrontado com um já comprovado insosso Venezuela x Peru.
Assim, quem se dispõe a torrar em média 50% de um salário mínimo para assistir a um espetáculo de qualidade questionável é justamente aqueles a quem o jogo de futebol não é ocasião em que a paixão é externada em vozes orquestradas prontas para a rouquidão. É gente que, carente de querer, garante o silêncio como se fosse a peleja realizada em portões fechados.
Deixa-se de fora, alijados da alegria de mais um evento de grande porte tomando o Brasil, os torcedores-raiz que topariam pagar para ver Suárez e Cavani pelo prazer de ver dois grandes astros do futebol em campo. Constrói-se muro que barra quem efetivamente leva o futebol nas costas no Brasil, transformando-o em identidade nacional.
A imagem de esporte do povo foi pintada nas gerais de Maracanã, não nos camarotes das Arenas modernosas. A relevância como escape ao sofrimento veio nos pés de fantásticos ídolos como Pelé e Garrincha, Ademir e Rivellino, Zico e Renato, Falcão e Chicão, que nos seus desfiles semanais mobilizavam multidões apaixonadas.
O futebol é do povo, pelo povo, para o povo. Ou deveria ser.
Mas os engravatados de conluios e conchavos decidiram que o futuro do futebol não é de quem o elevou, mas de quem banca salgadas contas. Trocaram o espírito em polvorosa pelas imagens tratadas em redes sociais. Preferiram conscientemente as arquibancadas vazias para mandar uma mensagem de que a elitização é inevitável.
Com isso, a frase de Dominguez diz muito pouco sobre a cultura do brasileiro, mas tagarela impropérios sobre a personalidade abominável dos gestores do futebol moderno.
Gabriel Galo é escritor.
Artigo publicado em 17 de junho de 2019 na página 2 e no site do Correio*. Link AQUI!
Esta crônica faz parte da série especial sobre a Copa América 2019 aqui do Papo de Galo. Acompanhe comigo!