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O cachorro é um astro do futebol latino americano

O cachorro é um astro do futebol latino americano

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Num mundo de arenização e enquadramento do jeito de torcer, o lúdico sobrevive. O cachorro nas canchas é uma instituição do futebol sudaca.

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Quartas-de-final da Copa de 1962, no Chile. Brasil e Inglaterra se enfrentavam no acanhado Estádio Sausalito, em Viña del Mar. Com Pelé machucado, caiu nas costas de Garrincha a responsabilidade de conduzir o escrete canarinho ao bi. E por onde fosse dentro de campo, Garrincha era acompanhado de perto por Bob, numa marcação implacável. Até que dado momento o juiz interrompe a partida. Mas para Bob e Garrincha, o embate persiste. Alheios ao apito do juiz, Garrincha avança sobre Bob, que num rápido drible de corpo, como se incorporando o mágico 7 brazuca, se desvencilha e segue seu caminho, lépido e faceiro.

Mas Bob, apesar do nome, não era um jogador inglês, não senhor. Bob era um portentoso cachorro vira-lata preto que invadiu o estádio e provocou um salseiro danado, até ser parado num agarrão pelo avançado inglês Jimmy Greaves.

Há certa justiça na falha do ponta brasileiro e no sucesso do europeu nesta empreitada. Garrincha entendia, pois, era de driblar, não de marcar, tarefa que delegava aos de cintura dura.

E por mais que os caninos em estádios de futebol tenham capítulos também no Velho Continente, por lá as edições atualizadas se encerraram por volta da década de 80, enquanto por cá, no mundo latindo americano, eles ainda são figuras certas no espetáculo.

Enquanto lá as velhas estruturas foram derrubadas para o erguimento de modernas arenas, cá o antanho é pintado com tinta fresca em tons de pseudo-evolução. Perduram, portanto, os corredores escondidos, as passagens secretas por onde se espreitam, matreiros, até invadir o tapete verde, um gigantesco banheiro a céu aberto, atraente demais para pobre ser se recusar à urgência de se liberar.

Era natural, dada a presença maciça dos bichinhos que só querem desafogo e peripécias, que fossem elevados de mascotes invasores à condição de torcedores de alma e paixão pelas cores do clube.

Pois os torcedores do Defensa y Justicia, da pequena cidade de Florencio Varela, na província de Buenos Aires, dispuseram-se a tal feito. Em partida pela Libertadores, ano da graça de 2020 correndo, vestiram o pequeno de verde e amarelo e foram além. Montaram o canino no alambrado, pendurado como hincha, latindo cânticos de sua torcida, exibindo, despudorado, as partes íntimas como numa mensagem codificada de exaltação ao espírito livre do futebol espetáculo, que em vez de mandar uma banana para a arenização, manda-lhe logo a caceta, porque sim, porque pode, porque tem privilégios.

De algum modo, o simpático cãozinho representa os amantes da arquibancada de cimento, aquela que forja paixões inebriantes. São estes os defensores da justiça para preservação do aspecto lúdico do esporte, que remete a um tempo mais simples, mais puro, com limo nas paredes, sorvete e amendoim, em que assistir ao vivo a um jogo de futebol era como estar dentro do picadeiro de um circo, com o cão-palhaço a animar a garotada.

O cachorro nas canchas é uma instituição do futebol sudaca. E pelo bem do que nos diferencia do cinza de alhures, há de continuar presente, de manto e tudo, escalando alambrados, sem matar a cobra, mas mostrando tudo o que tem direito.

Crédito da foto: Juan Ignacio Roncoroni / EFE

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