Adentra o hospital psiquiátrico um senhor de mais idade, meio careca, rosto de quem já morreu há pelo menos uns 15 anos. Brada aos quatro cantos.
– Eu ganhei! Eu ganhei!
Ele é recebido pelo chefe do hospital e por um enfermeiro que sorri sorrateiro para a situação lastimável do prezado candidato derrotado.
– A derrota foi muito pesada para ele, começou o diretor do hospital para o enfermeiro, ainda sem a presença do ilustre candidato.
– É, foi mesmo. Mas de acordo com a família ele ainda acha que ganhou.
– Diz que foi tudo uma armação, ele tem que ser proclamado o novo presidente da república. Coitado…
– Lá vem ele.
– Senhora Mônica, muito obrigado por ter confiado na nossa instituição para reabilitação de seu marido. Acredito que…
– Você acredita? Acredita em mim? Acredita?, indaga o internando.
– Claro, senhor, claro – diz o diretor em tom amável, e retornando para a mulher, continua – como ia dizendo, acredito que faremos o possível para ajudar o seu marido…
– Ajudar? Como assim me ajudar? Eu não preciso de ajuda! O Brasil precisa de ajuda!
– Querido, por favor… Está vendo doutor? Ele está assim há meses!
– O Brasil foi invadido por uma corja! De onde já se viu pobre com direito a voto?
O enfermeiro fez menção de aplicar uma injeção tranquilizadora, mas foi repreendido diretor, poderia parecer um ato político, no final, pode-se interpretar ter sido ofendido.
– Dona Mônica, nós temos os profissionais mais qualificados para tratar com esse tipo de cenário. Nossos procedimentos são confiáveis e seguros e mesmo que…
– Seguros! Aposto que este prostíbulo está cheio de escutas telefônicas. Está vendo ali, Monica? Um telefone! Este lugar está dominado! Tenho que livrar essa instituição do mal que se espalha!
– Querido, é apenas um telefone.
– Eu aposto que eu estou grampeado! Eu sinto! Sim, eu sinto! Dentro de minha camisa, aqui! Veja, veja, veja!
– Querido, é apenas o cordão de seu santinho…
– Como santinho? Antes eu tenho que ver quem são os eleitores deste lugar! E se houver mais evangélico que cristão? Se houver, me dê uma santa pr’eu chutar!
– O caso é realmente grave – voltou o diretor à sra Mônica.
– Grave, meu senhor! Grave é a situação desse país! Ah, não, ah, não, ah não!
Nisso veias saltam-se à testa do internando, dando-lhe um aspecto enfurecido.
– Doutor, ele está ficando vermelho. Quando fica assim, a crise piora, doutor!
– Vejam os resultados dessa eleição, por exemplo! Fraude! Calúnia! Sujeira! Eu tenho estudos realizados dizendo que a diferença era bem menor! Bem menor! Veja bem o senhor: fiz uma pesquisa entre os funcionários de meu comitê de campanha e e diferença dela era de 51 a 49! 2 pontos! O senhor entendeu? É um absurdo! O TSE é do governo, portanto, eles tinham todo poder de influência para alteração de resultado. E foi o que eles fizeram.
Começou a elevar o tom de voz.
– Quem agora vai tirar aquele povo de lá? Hein? Eu era o mais preparado! EU! Eu, por exemplo, reneguei o meu padrinho político para não ter vínculo! Eu ataquei todo mundo! Eu fui perfeito: de todas as religiões, de todas as opiniões, de tudo quanto é promessa! Agora, estou assim, irritado! 2 pontos! A diferença era de 2 pontos! Eu tenho a pesquisa! Eu tenho a pesquisa!
Começou a quebrar coisas. Logo veio o enfermeiro que, desta feita sem interrupção, injetou-lhe um tranquilizante.
Quinze minutos depois acordou em uma maca. Ao lado, sua esposa preenchia um formulário.
– O que está fazendo, Monica?
– Preenchendo umas informações para poder dar entrada, querido.
– Você acha realmente necessário?
– Me dói o coração, amor. Mas é para o seu próprio bem, confie em mim.
Volta a escrever no formulário.
– Ah! Coloquei errado aqui o endereço. Já estava escrevendo Palácio da Alvorada… Vou ter que ir buscar outro formulário.
Nisso, arrancou a folha com os dados errados, amassou e arremessou contra a lixeira ao seu lado.
– Ai! Ai! Ai!
– Que foi, marido?
– Que dor insuportável! Ressonância! Ressonância!
– Querido, o que está acontecendo!
– Bolinha de papel! Bolinha de papel!
E saiu correndo pelo hospital, desesperado.