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Estrabismo magnético

Estrabismo magnético

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Morosadamas refere-se àquelas pessoas que têm a incrível capacidade de juntar maluco por perto. É a junção das palavras gregas moros (loucos) e adamas (imã). Adamas, por sua vez, é a junção do a (de negação) e damao (de domar). O que faz total sentido, porque se tem bicho complicado de domar nesta vida é maluco.

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Assim era o Estrábico, sim esse era o nome do garoto, dado pelo pai quando viu uma reportagem na televisão falando de zarolhice, vesgueira, e ele próprio portador do problema, resolveu homenagear o filho com essa (des) graça. Profecia autorrealizável, diriam, mas com grande argumento de fé, porque o menino nasceu com um olho no peixe e outro no gato, o que não lhe dava vantagem alguma na visão periférica, mas lhe conferia um distinto ar de quem ou acabou de escapar do manicômio ou está esperando pra ser iinternado.

Estrábico era um menino que se dizia perseguido. Histórias esquisitas. Bizarrices. Destinado a inglórias. Materializava-se em qualquer coisa que conviesse a outrem.

– Você está esperando o ônibus?, aprochegou-se a menina de pomo-de-adão avantajado enquanto Estrábico tentava voltar para casa depois do trabalho.

– É o que as pessoas fazem no ponto de ônibus, né?, respondeu o garoto, já esperando pelo pior.

– Ora, meu querido, aqui também é ponto de pegar cliente, sabia não?

– Como?

– É, minha querida. E esse ponto é meu, entendeu? Então pode tirar o seu rebolado daqui antes que eu me irrite! Bicha folgada!

– Mas eu não sou nada disso!

– Ah, não?

– Não.

– Tem uma cara…

Não passava um dia sem ouvir alguma asneira.

– Porra, bicho, vou te falar um negócio. A gente aqui espremido nessa zorra desse ônibus, um calor danado lá fora, trânsito que não anda e você ainda reclama? Quero ver tu fazer isso com hemorroida.

Confundiam o garoto a todo instante.

– Garçom, por favor!

– Meu senhor, eu não trabalho aqui, não.

– Tem uma cara… Aproveita então que está de pé e chama um garçom pra mim.

Nem em sua própria casa escapava. Pisavam em cima do menino, tadinho.

– Quem é?, perguntou Estrábico na porta após ouvir a campainha.

– É Dora, meu filho.

– Oi, Dora, tudo bem?, respondeu Estrábico abrindo a porta.

– Tudo indo, meu filho. Você nem sabe, Estrábico. Entupiu o cano da privada lá de casa e não tem santo que dê jeito. Você não pode ir ali dar uma olhada pra mim?

– Mas eu não sou encanador, Dora.

– Tem uma cara… Me ajude, meu filho, por favor.

Faziam-lhe confissões impublicáveis.

– Rapaz, vou contar um segredo pra você, mas não conte pra ninguém, pelo amor de Deus.

– Moisés, se o segredo é seu e você já não consegue guardar, imagine eu que não tenho nada a ver com isso.

– Pois então, cara, você nem sabe! Fui à sala da copiadora e dei de cara com o Miranda aos beijos com a Cristina!

– Cristina? A filha do presidente?

– A própria.

– Mas ela não é casada com o Silva?

– Ela mesma. E foi logo depois de eu ter saído de lá do meu encontro secreto com o Amâncio.

– Mas você não é casado, Moisés.

– Um dia fujo com o Amâncio.

Foi num dia comum, temperatura amena, brisa soprando leve, que Estrábico chegou ao trabalho. No saguão do elevador, o dia prometia.

– Não, senhor, eu não vou limpar a sua mesa, já falei que não sou da limpeza! Mas é cada maluco que me aparece!

Retrucava Estrábico com alguém, no que foi interrompido pelo encanto da estranha que lhe dividia o ambiente. Apertava os olhinhos com muita força, e não já imaginou “mais uma…”, embora algo, em seu íntimo, lhe dissesse “pague pra ver”.

– Ah, oi! Bom dia.

– Bom dia. Respondeu ela.

– Calor, não?

– Demais… Eu sou nova aqui na empresa, tô começando hoje. Como você se chama?

– Estrábico. Falava já meio envergonhado, quem haveria de ter um nome desse?

– Prazer, Miópia.

Se é verdade que os opostos se atraem, decidiram que isto era uma questão de física, apenas, porque iguaizinhos, e seus pólos grudaram que nem reza brava desta. Dizem que de perto somos todos loucos. Dada a profunda experiência com o alheio, se sentiam os mais normais dos seres.

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