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Com quantas ameaças se desfaz uma democracia?

Com quantas ameaças se desfaz uma democracia?

A corrosão da democracia ocorre por dentro, abusando da fragilidade das incipientes e descreditadas instituições de contrapeso ao autoritarismo.

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O sistema tripartite de Montesquieu foi desenvolvido com um princípio claro: evitar arroubos autoritários de uma das partes. A evolução da imprensa e das tecnologias de comunicação transformaram o conjunto de meios de informação num quarto poder de caráter não oficial. Sobre todos, o Exército, protetor da pátria, que divide com as polícias o monopólio da força.

A separação de poderes implica obrigatoriamente em se buscar negociação para que os poderes, independentes entre si, interajam harmonicamente. Só que, para Bolsonaro e seu governo, harmonia é sinônimo de problemas.

Harmonia restabelece o raciocínio e a prudência no debate público, enquanto seus porquês estão ancorados na areia movediça das distorções conspiratório-paranoicas. Tal qual Chacrinha, Bolsonaro não veio para explicar, mas para confundir.

Há certeza: quando se viram as armas para invariavelmente todas as esferas de contrapeso, numa narrativa de vitimização de quem age contra tudo e contra todos, o que se busca é a dilapidação da incipiente democracia brasileira, tão recente quanto frágil.

Desmantelar instituições é um dos três pilares do autoritarismo populista. Ele se junta à demonstração constante de força e à fabricação de inimigos. A força, no caso brasileiro, é provida pelas Forças Armadas e pela recorrente exaltação a um apoio popular cada vez menor, mas crescentemente mais violento. Já a fabricação de inimigos serve para impor medo e esvaziar o diálogo, retornando ao elementar “e o PT?” e “comunismo” como argumento definitivo para validar a auto-evidente urgência do líder supremo.

O paulatino ataque à democracia tem razão de ser. O imaginário de um levante autoritário remete a tanque na rua, não a uma construção que derruba, um a um, quem se opõe à clareza de que o rei está nu. Somos, pois, nação que segue a vida de rompante, de supetão e aos tropeções.

O achaque às instituições e o preenchimento de cargos públicos pelos de farda são como cupim em edificação precária. Do lado de fora, entretanto, sem a imagem definitiva de golpe à força, cumpre o povo a labuta ideal, negando as aparências e disfarçando as evidências.

Enquanto isso, entre e-daís e cala-a-bocas, notas de repúdio vão se acumulando e, a cada nova não ação, são não mais do que convites para que o autoritarismo se locuplete da incipiência das tais instituições, que nem tempo tiveram para maturar.

Notas de repúdio diante das constantes e crescentes ameaças de um governo que tem a democracia como inimiga de suas vontades, serão os capítulos introdutórios da carta de rendição ao populismo despótico de um líder mítico que se alimenta da mentira para esconder a verdade de suas intenções. Em que momento será tarde demais?

E assim, tal qual Deodoro ou Getúlio, não precisará ele de tiros ou tanques, senão apenas estacionar seus cavalos modernos na frente dos poderes e adentrar aos safanões promovendo sarcásticos ‘dá licença’, para sentar-se na cadeira de comandante geral.

Saberemos, então, neste instante, diante de imagens espalhadas do grande líder em repartições, findada a oposição que atrapalha a ordem e o progresso, todos tementes diante da fúria do não perdão à subserviência desobedecida, com quantas ameaças se desfaz uma democracia.

Gabriel Galo nasceu em Salvador. Formado em administração pela FEA/USP, é escritor, analista político, empresário e, sobretudo, defensor da democracia.


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