O verão americano de 2016 foi particularmente sangrento. No último ano de Barack Obama como presidente, a violência transcendia as redes sociais, inflamadas pelas táticas de Steve Bannon que culminariam na eleição de Donald Trump, e aumentavam a truculência da polícia contra o povo negro.
Em protesto em agosto de 2016, durante a pré-temporada da NFL, Colin Kaepernick, então quarterback titular do San Francisco 49ers, uma das franquias mais vitoriosas e valiosas da liga, permaneceu sentado durante o a execução do hino nacional. Quando questionado, respondeu:
Eu não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor. Para mim, isto é maior que futebol americano, e seria egoísta da minha parte olhar para o lado. Há corpos nas ruas e pessoas pagas para salvá-los os deixam lá e se livram da acusação de homicídio.
Kaepernick continuou em seu protesto silencioso. No jogo seguinte, ainda na pré-temporada, se ajoelhou durante o ano, em ato que foi acompanhado pelo companheiro Eric Reid.
O caso, enfim, ganhou repercussão nacional.
Kaepernick se tornou, a partir daí, alvo da ira dos conservadores americanos. Um dos mais vocais era o então candidato à presidência Donald Trump, que tuitou, ao seu modo, ataques ao quarterback.
2016 foi a última temporada da curta carreira de Kaepernick. Foi titular em 11 das 16 partidas da temporada regular, em que o time teve uma campanha sofrível de 2-14. Rumores indicam que ele, uma estrela em ascensão da liga, foi marcado como persona non grata em todas as franquias, que queriam fugir das polêmicas em torno de seu nome. Por este motivo, Kaepernick entrou com ação judicial contra a NFL e em fevereiro de 2019 fez um acordo sigiloso que encerrou o processo.
Em meados de 2018, a NFL instituiu uma nova regra proibindo qualquer profissional da liga de se ajoelhar durante o hino.
Por conta dos desdobramentos do caso, Kaepernick se tornou estrela mundial do esporte e da causa negra. Assinou contrato com a Nike e se tornou peça-chave de suas propagandas.
Não é coincidência que o tema de brutalidade policial reemerja justamente quando uma nova eleição presidencial americana envolve um grupo ligado à extrema-direita. Mais uma vez, os nervos à flor da pele acirram os ânimos de uma força que, ao aplicar a lei, reforça o racismo que ainda viceja na sociedade norte-americana.
A onda de protestos nas cidades americanas vai desde manifestações pacíficas, com participação voluntária inclusive de parte das forças policiais, até aquelas mais violentas. Estas últimas fizeram o presidente Trump voltar os canhões de sua armada do Twitter contra o próprio povo, em escrita condenada pela própria plataforma, o que gerou mais reações mimadas e ameaçadores do presidente de regulação de mídias sociais.
De fato, a história americana comprova que o problema não é necessariamente a forma de protesto. Malcom X, líder da revolta violenta americana durante as campanhas de direitos civis, morreu assassinado em 1965. Já Martin Luther King, cultuado líder que protestava pacificamente –o que não impe-dia repressão brutal–, também morreu assassinado em 1968.
Protestando pacificamente ou não, a opressão do povo negro americano é questão de cor da pele. Aos olhos dos carregados de preconceito racial, não há razão para protestar, senão que se imponha e se aceite as coisas como elas são, em nome de Deus, da pátria, da família e da liberdade. Não há, portanto, manifestação possível para quem deve arcar com a pena da subjugação. E a revolta geral, com razão, aumenta.
Artigo na edição #1 da Papo de Galo_ revista, em 05 de junho de 2020.
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