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Metamorfose ambulante

Metamorfose ambulante

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Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado. Vendo-se excepcionalmente magro, barbicha a balançar em seu queixo, levantou-se num susto. Correu para o espelho e deu de cara com um rosto que nunca tinha visto. O espelho, então, falou:

— Aqui é Raulzito falando, baby!

***

— Peraí, peraí, peraí. Rapaz que viagem é essa?

— Minha história, pô. Começa assim.

— Mas que crossover lascado é esse? Kafka com Raul Seixas?

— Claro!

— Cara, você está bem?

— Oxe, se ligue porque tem muito mais.

***

— Gregor — disse uma voz, que era a da mãe, é um quarto para as sete. Não tem de apanhar o trem? Logo ele vem surgindo de trás das montanhas. É o trem das sete horas!

***

— Não vai me dizer que o Trem das Sete é por causa da mãe d’A Metamorfose?

— Mas é exatamente aí que eu quero chegar. Tá tudo conectado, xará. Raul Seixas era fã do Kafka!

— Confesso que até mesmo pra você, isso está indo um pouco longe demais. Você se sente bem? Precisa de alguma coisa?

— Arrá! Você também?

— Eu também o quê?

— É fã de Kafka?

— Como assim?

— Aqui, ó, página 4, “Não se sente bem? Precisa de alguma coisa?”

Ele abriu o livreto que carregava em mãos junto com seu manuscrito, para comprovar que mais que literatura, sua obra era praticamente uma releitura histórica da produção de Raul Seixas, e sôfrego apontava com o dedo indicador para o trecho em questão.

— Meu amigo, me perdoe, mas nem tudo nessa vida é Kafka, pode ser só uma coincidência.

— Isso é o que as pessoas pensam. Mas, no fundo, está tudo impermeado de Samsa. Mas, espere, você ainda não ouviu a melhor parte.

***

Ao enfim ter-se com aquele que julgava ser seu filho, a mãe, estarrecida, indagou:

— Gregor, meu filho, o que aconteceu?

E ele, ciente de sua mutação e da não aceitação de sua condição, externou as únicas palavras que pôde na expectativa vã de contornar o espanto e fazer dele acolhida.

— Mãe, sou eu. Quero que você entenda: eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha formação corpórea o tempo todo.


Conto publicado pela primeira vez com exclusividade na Papo de Galo_ revista #6, páginas 47-48.


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Capa da edição #5 da Papo de Galo_ revista sobre hospitais de campanha em estádios esportivos.

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