Durante uma vida, mesmo que por fração de tempo, esta foi a janela do melhor pôr-do-sol que existe. No verão, o sol que entra de través, iluminando o canto do quarto. No inverno, ele se despede de frente, imenso em fogo no horizonte sem precisão de se virar o pescoço.
O velho quarto se desfaz em rachaduras, tomado por cumpinzais que vão carcomendo a estrutura. Pouca mobília a fingir normalidade. Uma cama antiga de madeira pesada, como se preparada para suportar as agruras de cada habitante que acolheu. Sobre ela, um colchão de espuma cheirando a guardado e com espessa camada de poeira na epiderme, desafio a alérgicos. Um guarda-roupa de madeira, vintage na forma e na conservação, completa o ambiente de ar que se aproxima de um voto de pobreza. A escrivaninha, receptáculo da luminosidade que transpunha luz em palavras, já não mais se vê. Ali meu pai estudava, quando de sua volta à Bahia, francês porque sim, Direito porque sonhava.
Abaixo, o túnel Américo Simas. À frente, os quartel dos bombeiros, que desperta a região com suas trombetas e cânticos de exercícios de tropa. Mais ao fundo, o Porto de Salvador, óvulo fecundo acoplado no útero que é a Baía de Todos os Santos.
Ali, pois, o sol cai. Segue seu rumo, prometendo renovar as esperanças, vãs ou não. O sol há de brilhar mais uma vez. Amanhã vai ser outro dia.
Vai. Mas vai ser outro, longe de Salvador, da Bahia, da gente que é minha, nossa.
É difícil de despedir da querência.
Crônica achada a esmo nos registros de notas de meu celular. Escrita em 7 de dezembro de 2019. É como ter achado dinheiro no bolso de um casaco sem uso há tempos.
Crônica publicada também na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 78 a 79.
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