Ia-se o ano de 2013, 2014 no tô chegando, meu pai cai doente de meningite bacteriana. Antes é importante distribuir spoiler: essa não é uma história com final triste, ele se recuperou. Volta a missa. Doencinha mizerávi, dessas que normalmente não costuma deixar rastro. Não se sabe o quando exato que se dá, mas se deu e fez dele sua casa por umas duas semanas.
Hospital Couto Maia. Para quem não conhece, o Couto Maia é o hospital que trata doenças infectocontagiosas em Salvador. Um lugar que não passaria numa inspeção sanitária nem na portaria. Do lado da Igreja do Senhor do Bomfim. Prático, penso. Cai ali, qualquer coisa o santo acalma a alma logo ao lado.
É feio. É sujo. É sem recursos. E, sabe-se lá como, os funcionários aparecem dia sim e outro também e fazem o trabalho deles com uma disposição impensável para ambiente tão inóspito.
Houvesse um restaurante lá dentro:
– O que tem saído bastante aí, amigo?
– Rapaz, descobriram um casarão abandonado aqui na Ribeira, raiva tá com tudo por agora. AIDS é sempre um clássico, mas tem gente que pede um sabor mais moderno, sabe? Pra acompanhar, tem a surpresinha do chef: não se sabe se ele tem pneumonia ou leptospirose, ele tosse no purê e seja o que Deus quiser!
Tem uns botecos em frente, muito acompanhante, sabe como é. Uma lojinha de sanduíches naturais cairia bem, imagino. Dobradinha afasta o sujeito tão afoito por um pouco de asseio.
Quadro não era bom, toca eu pra Salvador para acompanhar o tratamento, que consistia de antibióticos, mandingas e rezas de todas as espécies. Hospital na Bahia. Vou todos os dias. Dia 1. Dia 2.
Dia 3.
No portão de entrada você dá o nome do paciente. Segurança percorre a lista impressa no dia, confirma, entrega uma etiqueta escrita visitante à mão. Em teoria, apenas uma visita por vez, mas galera se reúne, e quem há de ligar?
– Não tem nenhum Paulo Galo na lista.
– Ahn?, respondo, surpreso.
– Não tá na lista.
– Como assim, meu amigo?
– O senhor tem certeza que ele está aqui no Couto Maia, não em outro hospital?
– Eu estive aqui anteontem, ontem, ele está aqui.
– Meu senhor, se não tá na lista ele não está aqui no hospital. Ou então…
– Meu pai está aqui, meu irmão. O senhor pode me deixar entrar?
Ele então, com cara de empáfia, já não aguentando mais aquela conversa ruim, solta:
– O senhor se acalme! Vá ali na administração e eles vão poder dizer pro senhor o que aconteceu.
Fui à Administração. Esqueceram de colocar o nome dele na planilha que foi impressa. Etiqueta até de cor diferente, bordas vermelhas em vez da tradicional borda azul. No caminho do quarto, passo, já por dentro do hospital, perto do portão. Lá estava o sacripanta. E eu:
– O senhor se acalme é a puta que te pariu!
Sou um cara muito maduro.
—
Virou piada na família o tal do “o senhor se acalme”. Qualquer coisa, é isso. Virou bordão. Alô, Zorra Total!