De pequeno, corria atrás de bola todos os dias. Não tinha hora, não tinha tempo ruim. Muitas vezes não tinha nem escola, de onde fugia doido para chutar seus chutes e driblar seus dribles. Família humilde, pobre de tudo, menos de esperança.
– Esse menino vai longe!, dizia, entusiasmada a mãe, que fazia bicos aqui e ali para sustentar os quatro filhos.
Do pai o menino só ouviu, de história contada, que foi embora antes dele nascer. Ô, sina.
O menino tinha talento para a bola. Jogava e encantava. Com ele não tinha essa de categoria ou de idade: enfrentava marmanjos até 4 anos mais velhos, e os humilhava com canetas, chapéus, dribles da vaca e gols. Dizem lá no campinho que certa feita, beirando os 14 anos, driblou todo o time do Metropolitano, inclusive o goleiro. Ao ver o gol escancarado, voltou o campo todo para começar de novo.
– Não falam a mesma coisa do Garrincha?
– Mas o Garrincha eu não vi. Eu estava lá e eu vi. Esse é craque.
Não demorou muito foi descoberto pelo Atlético local, começou nas categorias de base ainda com 12 anos. Foi subindo a ladeira, sempre sendo promovido antes do prazo. Família tinha cada vez mais esperança de que o destino tinha reservado tirar o pé da lama. Era a vez deles.
Aos 15 foi disputar um campeonato na capital. E logo chamou à atenção os grandes de lá. Era uma peleja impressionante para assinarem com o prodígio de Barro Branco. Se com 15 anos já era assim, imagine com 19? Tome empresário batendo na porta, um tal de assina aqui, não, assina ali, vem comigo, seu futuro é brilhante.
Sempre foi torcedor do Independente, e pra lá foi com 16 anos, deixando para trás a família e a vida pacata no interior.
Chegou lá e ficou estupefato com a cidade. Era quarto no alojamento do time, embaixo das arquibancadas do estádio, tinha até videogame. Treinava duas vezes por dia.
Não assimilava muito bem essas coisas de tática, de posição, de ocupar o espaço. Mas sua capacidade sempre se sobressaia.
Quando beirava os 17, era titular do time que ia disputar o torneio sub-20 mais importante do país. Fez um excelente campeonato, o time chegou à final contra o Desportivo, arquirrival. Com o placar sem sair do 0, a decisão foi para os pênaltis.
Logo na primeira cobrança o Desportivo perdeu, pegou o Vitão, festa para o goleiro. Todos fizeram as 8 cobranças seguintes. Até que chegou a vez do João, eis o nome do nosso herói, bater o pênalti para dar o título ao Independente.
Correu, até sorria, e mandou na trave.
No final, o Desportivo virou.
Tapas nas costas legendados, “acontece”, “é isso mesmo”, “não pode desanimar”, “vamos treinar mais”. Os colegas chateados, ele nunca tinha perdido um pênalti sequer! No vestiário, os companheiros de time nem quiseram olhar pra ele.
João não entendia o sofrimento de tantos. Ele queria apenas jogar bola.
Quanto mais se aproximava dos profissionais, mais o sorriso antes fácil do garoto sumia. Era mais treino, mais regras.
– Sorria pra câmera, João!, gritava o diretor de um comercial qualquer. Nem lembrava como tinha chegado ali.
Um belo dia, assim, sem muito porquê, cadê o João? Toca procurar o garoto, e nada de encontrar. Perto do almoço, chegou com uma malinha na casa de sua mãe, que nada disse, a não ser colocar mais um prato na mesa e dar um beijo de boas-vindas na testa do filho.
Seguiu à tarde para o campinho. Juntou os amigos, começaram a bater bola despretensiosamente. Até que, pênalti!
Lá vai o João cobrar. Antes, vira pro Minduim, amigo de infância.
– No jogo passado foi uma trave só. Quer apostar que dessa vez ela bate nas duas?
– Cinquentinha?
– Fechado!
Minduim devia saber que não se apostava contra o João.
Que nunca mais voltou pra capital, queria apenas correr atrás de bola, sem muito objetivo a não ser canetas, chapéus, dribles da vaca e gols. E, vez ou outra, uma aposta que lhe garantisse o fim de semana.