A notícia da anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal causou revolta em alguns, euforia em outros, mas certamente nos surpreendeu a todos. Dentre as principais decorrências dessa decisão, está a volta da elegibilidade de Lula para as próximas eleições presidenciais. O “eterno candidato” estaria de volta, pronto para mais uma batalha, a ocorrer ao longo de 2022.
Longe de ser uma unanimidade, Lula é um dos maiores responsáveis pelo cenário de polarização que o Brasil vive hoje. A política do “nós contra eles”, cultivada ao longo dos governos petistas, gestou Jair Bolsonaro e, consequentemente, o conduziu ao Planalto. Não bastasse o fato de que o Brasil já vem sofrendo bastante com o descaso que o atual presidente demonstra em relação às prerrogativas do cargo que ocupa, a volta de Lula à política nacional traz a justificativa ideal para o atual mandatário prosperar com sua narrativa autoritária: “Ou me tolera, ou ele volta!”
O “efeito Lula” certamente trará impactos à já deficiente ação federal no combate aos impactos da pandemia da COVID-19. Agora que o “vilão” está à solta – e qualquer suposto herói só sobrevive se houver um vilão a ser combatido –, o “mito” não hesitará em voltar à verborragia, e se esquivará de qualquer cobrança com o argumento de que está lutando para manter o Brasil livre da esquerda. Pediremos vacina, leitos de UTI e oxigênio, mas esperaremos trancados em casa como condenados, e ainda seremos chamados de “comunistas”.
A volta de Lula também atrapalhará a esquerda brasileira, que perderá a excelente oportunidade de renovar seus quadros, modernizar o discurso e se preparar melhor para 2022. Mesmo vivendo o clássico problema de falta de um plano de sucessão, a esquerda brasileira – que sempre se apoiou nos ombros de Lula – até que vinha, aos poucos, buscando uma solução para o seu vácuo de liderança. Inclusive, a disputa pela prefeitura de São Paulo em 2020 mostrou que isso é perfeitamente possível. Porém, assim como nas empresas que não cuidam da sucessão – cujo caminho mais evidente é o da falência –, a esquerda possivelmente terá o mesmo destino, dada a rejeição ao lulopetismo ainda presente em grande parte da população.
Há ainda quem acredite que o retorno de Lula à cena política redimirá o Brasil da escalada autoritária que Bolsonaro vem conduzindo, e recolocará o país no caminho da prosperidade. Eu, particularmente, discordo. Se qualquer um dos dois assumir o governo em 1º de janeiro de 2023, certamente continuaremos a ver nossa já combalida democracia cada vez mais fragilizada. Cada qual da sua forma implantará cada vez mais mecanismos de concentração de poder, e entraremos todos numa espiral totalitária sem precedentes. Não se trata de catastrofismo, mas de história. A nossa, e a dos vizinhos sulamericanos, por exemplo.
O único que poderia resolver essa disputa de uma vez por todas, infelizmente, foi cooptado pela polarização, e está achando o máximo torcer pelo próximo presidente como se estivesse numa partida de futebol. Ele mesmo, o eleitor brasileiro médio, que se comporta de maneira inconsistente com o sistema político que adotou: espera um “salvador da pátria” que se perpetue no poder como se fosse monarquista, torce pelo impeachment como se fosse parlamentarista, mas quer votar diretamente como um presidencialista. Por essas e outras, sigo firme nas minhas convicções parlamentaristas. Se toda a disputa fosse pra ver quem será o primeiro-ministro, certamente o cenário seria outro, e haveria uma luz mais forte no fim desse túnel.
Já sabemos que Bolsonaro não tem nada de democrata. Mas se Lula realmente o fosse, retiraria de vez qualquer possibilidade de candidatura para 2022. Com sua influência e seu carisma, serviria muito mais ao país se trabalhasse pela construção de uma esquerda competitiva, que unisse o país em torno de propostas concretas que levassem o Brasil ao progresso socioeconômico. Ajudaria a livrar o Brasil do retrocesso e a preservar a democracia. Mas, infelizmente, como ele só pensa no próprio umbigo, e muita gente o segue como se fosse um Deus, o Brasil pagará o pato mais uma vez.
Tomara que, em relação a tudo que escrevo aqui, eu esteja totalmente errado. A começar pelo eleitor, se passar a entender o real significado de alternância de poder, e a importância de sairmos dessa polarização para o bem da democracia. Se a esquerda continuar seu processo de renovação, e entrar de uma vez no século XXI. E, por fim, se as forças democráticas trabalharem “como nunca antes da história desse país” na construção de uma terceira via que realmente seja uma alternativa viável “a tudo isso que está aí, talkey?”.
Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 40 a 42.
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