No interior do Mato Grosso do Sul, já na porta do Pantanal, vive vovô, o Seu Nonô. Durante muitos anos viveu em São Paulo, onde poucos quilômetros o separava da nossa casa. Quase todo fim de semana a família se reunia, e não havia alegria sem ele.
Se ia até nossa casa, chegava sempre de bolso cheio. Uma bala, um chiclete, um chocolate. Se íamos até ele, era uma bacia de doces, um bolo quentinho, um colo sempre disponível, um cafuné despreocupado.
Dele ganhei meu primeiro ioiô. Meu primeiro álbum de figurinhas. Minha primeira aula de música.
Na minha cabeça de guri, podia tirar tudo isso, não importava. O que o fazia um ser mágico eram suas histórias.
Tinha um dom. Despertava a fantasia e incitava a imaginação da criançada, que interagia cheia de energia no meio dum causo.
– Mas, vovô, cavalo não fala!
– Eu sei que não, mas o cavalo não sabia. Pois falava que não parava! Tive que convencer o bicho de que ele era bicho. Treinamento que durou meses, mas com sucesso, nunca mais ninguém ouviu aquele danado falar suas abobrinhas.
A gente não conseguia se segurar quando ele chegava.
– Vovô! Conta uma história?
Era um tal de pular na perna, puxar a camisa, cutucar o braço.
Seu Nonô virava-se para quem estivesse na palestra com ele e dizia, sem virar para a gente:
– Eu já te contei da vez que… e terminava com uma pergunta sobre algo fantástico, piscando o olho.
Já começávamos a gritar de felicidade logo ali!
– Não! Não contou! Conta! Conta!
– Senta aí.
Daí juntava aquele mundaréu de irmãos, primos, vizinhos e amigos, todo mundo no chão, pernas cruzadas e mãos apoiando a cabeça. E ele nos levava a viagens por tudo quanto é canto! Dali a mais um pouco, barulho de molecada protestando seguida por uma sonora gargalhada.
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Com a distância, nós aqui e ele lá, reduziram significativamente as interações. Não menos saborosas, no entanto.
Aprontamos a família para a viagem, férias de fim de ano que duram mais de mês, e mais uma aqui e acolá, quando dá.
Passeamos a cavalo, pescamos, colhemos o que vai ter pra janta. No preparo, um dedo de prosa. Lá vem meu mais velho, cheio de energia, e começa a repetir o padrão, repuxando o biso já oitentão, que rejuvenesce uns 30 anos:
– Já te contei de quando a gente mudou pra cá uma onça entrou no nosso quarto no meio da noite?
Desta vez, o alvo da piscada era eu. Destas agruras de envelhecer, a de ser transformado de puxador de calça a alvo da piscada. Pelo meu filho me fazia criança novamente, relembrando a cada palavra como era bom o mundo pra onde ele nos levava.
– Senta aí.