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A angústia de escrever

A angústia de escrever

A primeira linha. Escrevo.

“Rio com o como estamos perdendo o hábito de escrever. Eu gosto de papel, me sinto melhor, organizo melhor pensamentos, leio melhor assim, e… Um livro no iPad demora vidas para terminar. Tentei um Kindle uma vez, gostei. Deveria dar mais uma chance.”

Não é nada disso.

Divaguei.

Escrever é uma luta incessante entre o eu-que-escreve e o eu-que-me-mantém-focado. O segundo é uma espécie de consciência, digamos assim. A gente conversa bastante.

– Deleta tudo, começa de novo.

Vou para uma outra primeira linha, que de tão ruim, tenho até vergonha de mim mesmo.

– Vai comer alguma coisa, tomar um café, tirar um cochilo, sei lá… Vai!

Então, vou. Ali. Ponho uma roupa para lavar. Uma varrida no chão, como pode São Paulo ter tanta sujeira? Ligo a TV. Não, melhor não, desligo quase instantaneamente.

– Nem um filminho?

Não, melhor não.

– Bom garoto.

Violão à mão, violão na mão, dedilho algo que nem sei o que é, não dou muita importância. Ele de volta no apoio, um pouco triste, faz tempo que não se faz dedilhado com desenvoltura. Fica aí que eu já volto. Um dia desses.

Sento-me à mesa de escritório. Computador a postos.

– Vai lá, foco! Escreve algo. Qualquer coisa.

Permaneço fitando o computador como se esperasse que ele fale comigo, alguém da minha própria consciência, de mim mesmo, que escreva o que quero escrever. Mas se nem sei o que é… Cadê a tal da inteligência artificial? Viria bem a calhar.

– Está tudo bem. Amanhã você volta. Ou outra hora.

– Como assim?

– É.

– ‘Tá maluco?

– Por quê?

– Você existe, preferencialmente, apenas para me manter na linha. De repente, vira apoiador da procrastinação?

– Veja bem…

– Além do mais, não consigo escrever com alguém me martelando o tempo inteiro.

– Mas eu sou você.

Meus argumentos são sempre muito bons, nem eu consigo ganhar de mim mesmo.

Tem dia que maratona no Netflix é o melhor que tem para se fazer.

***

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