Algum lugar, 23 de março de 2017
Eram quarenta minutos depois do apito final do jogo em Montevidéu e o clima no bar permanecia de mais puro refestejo e rebozalo. Num palco, Ary Barroso conduz e canta sua Aquarela do Brasil com Tom Jobim ao piano e Pixinguinha no saxofone. Nos lábios, sorrisos e charutos. Armando Nogueira toma a palavra:
– Que sacode! Vocês repararam a matada na coxa do Neymar já jogando a bola na frente tirando o zagueiro e ainda por cima me mete por cima do goleiro! De cobertura!
Numa animada roda de caixeta, Garrincha derrubava para dentro copo atrás de copo, endossava o coro e felicitava Neymar e suas arrancadas, com sua simplicidade infantil:
– Fosse eu, depois de driblar o time inteiro indo, eu faria tudo de novo vindo.
Sócrates puxou a sardinha para si, dizendo que tinha ensinado muito a Paulinho. De sacanagem, Mário Sérgio zombou que se metesse o peito na bola no quarto gol, Magrão ficaria duas semanas tossindo. Didi interrompeu a quizomba jurando de pé junto a quem pudesse ouvir que, não fosse aquela bola debaixo do braço na Copa de 58 depois do primeiro gol da Suécia, virada como esta não aconteceria.
Nilton Santos desfilava Bandeira e Drumond enquanto arriscava uma sambadinha. Jair Rosa Pinto, Julinho, Zizinho, e mais outros tantos da velha guarda, cada qual com sua Cascatinha gelada no copo americano, exultavam, sarcásticos:
– Falta, mesmo, é um bigode neste time! Daí, sim, ficaria completo.
Sentado numa banqueta alta no balcão, cotovelo sobre o bar, queixo sobre a mão, Nelson Rodrigues mantinha o cigarro habilmente tombado no canto da boca e xícara de café a tiracolo. Teve gente que jurou vê-lo sorrir, e a Castilho, exímio guardador de metas do seu Fluminense, mas não de segredos, confidenciou que aquele era um bom dia para cronicar.
Numa mesa redonda, checando de minuto em minuto a ampulheta que marcava o tempo sobre a porta de entrada logo ali a frente, porção de pastel e torresmo esfriando por esperarem, Feola, Aymoré Moreira, Saldanha e Coutinho se mexiam e remexiam exauridos, mas, pela primeira vez em muito anos tinham voz, pois sem precisar passar as instruções a que tanto se acostumaram.
Nesta chega Telê, quase esbaforido, já pedindo desculpas pelo atraso, explicando que precisava resolver umas coisas com urgência. Rindo-se, segurou cada lado do casaco, abriu o peito e exibiu com orgulho sua camiseta, com estampa recém printeada que se lia “Titelê Santana”.
– Gostaram?
Dali mais um pouco entra um sujeito alto, esguio e cabisbaixo, camiseta azul desbotada. Logo é reconhecido por alguém no fundão, e depois pela massa:
– Pedro? Pedro Rocha!
O uruguaio, ainda atônito com o que se passara, sem se dar conta, zanzou por aí e caiu de frente para a porta do grande salão onde a corte do futebol brasileiro se juntava no eterno para apreciar – ou sentenciar, como até bem pouco tempo – o ludopédio do escrete canarinho. Assustado, olhou para cima, viu-se cercado, e, sem ter como escapar, resignou-se na frustração, quando apenas se ouviu ele dizer resmungando:
– Por Diós, que mier…
E, sem nem dar tempo de completar, viu-se entregue aos braços do Capita e de Leônidas, invadindo o recinto para dar de cara com Eduardo Galeano, já vestido de amarelo, com um copo de caipirinha numa mão e dedinho em riste na outra:
– Hasta tu, Galeano?
– Que puedo hacer? Que espetáculo! Que espetáculo!
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